quinta-feira, 5 de maio de 2016

lá no cabo do mundo onde morávamos durante um momento


se eu tivesse dois ou três dentes de ouro
mordia-te o corpo todo se eu tivesse
mel e fósforo para tocá-lo
tocava-te no sexo
se eu cantasse num murmúrio quente cheio de êrros
chamava-te junto ao ouvido
se tivesse o teu nome escrito pelas unhas fora
pedia que me deixasses entrar mudo e selado
na alma e na memória
se me dissesses: beija-me onde queiras
onde quereria eu beijar-te
senão nas pálpebras e nos dedos e nos cabelos
se perguntasses: e onde vamos viver?
eu respondia: onde não sei o quê cheio de ar revôlto
mas se por exemplo eu tivesse um diamante
e o diamante desabrochasse
e esse diamante eu mesmo o pusesse
no meio do mundo
e o deixasse crescer até ser uma árvore
e se dormias debaixo dela eu despia-te
peça a peça a roupa quieta até
as minhas mãos serem tão íntimas que dormias
e acordavas nas minhas mãos
e eu tocava-te então na boca do corpo
por onde estremecias toda
e eu tocava a tua fundura que não acabava nunca
extremo a extremo a tua delicadeza extrema
e punha nela o selo
e punha o sêlo da minha boca e tu acordavas toda
e ficavas tocada toda todo o tempo
lá no cabo do mundo onde morávamos durante um momento

In Letra Aberta