sexta-feira, 14 de novembro de 2014

Match Point


The man who said "I'd rather be lucky than good" saw deeply into life. People are afraid to face how great a part of life is dependent on luck. It's scary to think so much is out of one's control. There are moments in a match when the ball hits the top of the net, and for a split second, it can either go forward or fall back. With a little luck, it goes forward, and you win. Or maybe it doesn't, and you lose.

Match Point quote.

domingo, 28 de setembro de 2014

Pausa


Parecia-me que este dia
sem ti
devia ser inquieto,
escuro. Em vez disso está repleto
de uma estranha doçura, que aumenta
com o passar das horas –
quase como a terra
após um aguaceiro,
que fica sozinha no silêncio a beber
a água caída
e pouco a pouco
nas veias mais profundas se sente
penetrada.
A alegria que ontem foi angústia,
tempestade –
regressa agora em rápidas
golfadas ao coração,
como um mar amansado:
à luz suave do sol reaparecido brilham,
inocentes dádivas,
as conchas que a onda
deixou sobre a praia.

in MORTE DE UMA ESTAÇÃO, sel. e trad. de Inês Dias, Lisboa: Edições Averno, 2012

sábado, 27 de setembro de 2014

Escreve sempre que precisares de me dizer


Escreve sempre que precisares de me dizer
que há gelo nas tuas mãos e nas paredes do frigorífico.
Os legumes que trouxe ontem
não sobrevivem a mais do que uma geada,
muito menos nós.
Escreve sempre que precisares, podes
dizer-me outra vez que nunca houve inverno,
que este ano não há verão,
que estamos aqui e não estamos porque não sabemos
se somos nós ou se somos aquelas
quatro pessoas que vão à rua agora,
encontraram a porta certa.
Escreve sempre que precisares, faz
uma lista de compras, uma lista de desejos,
anota todos os pedidos que deixaste
em poemas atrasados.
Escreve sempre que precisares
de mais um postal com selo e carimbo.
Escreve sempre que riscares
na tua agenda mais uma morada.
Sempre que eu precisar vais devolver-me
uma caligrafia rebuscada que não é a tua,
curvas a mais que não fazias na letra d.
Já não há desses manuscritos,
só eu e os carteiros aprendemos a decifrá-los
(e toda a gente sabe que nem isso é verdade).
Vai escrevendo. Sempre que eu precisar,
as frases podem desviar deixas decoradas,
repetidas como as mentiras,
demasiado gastas para serem inócuas.
Escreve em vez de costurares.
Mesmo que soubesses, não há remendos suficientes,
arranhaste sem possibilidade de cura os joelhos,
os cotovelos e as canelas
(dançar sempre foi um antídoto fora do teu alcance).
Escreve que eu vejo nas tuas as minhas quedas,
os meus soluços nessas curvas
a mais que não fazes na letra d:
as tuas linhas são rectas, verticais e justas,
as minhas letras são apenas caracteres.
Escreve sempre que puderes
só em vez de apenas,
recursos humanos em vez de
resíduos urbanos. Talvez sejamos mais
do que pessoas, temos tamanhos diferentes
e não servimos nos lugares que nos foram destinados.
Escreve sempre que precisares de uma porta
onde caibas,
nunca trago chaves comigo.

chegaste tão de dentro de mim mesmo


chegaste donde o medo tecia os meus cabelos
donde os pássaros ardiam a voz
donde só o silêncio se desconhecia
era tão larga a morte
que não se podia ver dos meus olhos
chegaste quando o fim sangrava dos meus braços
a casa soterrou-me dos teus passos
terra de mim todo
chegaste pelo coração de água da noite
quando o mistério escorre em grito pelos telhados
e Deus se desabita
chegaste tão de dentro de mim mesmo
que agora a morte me nasce na garganta
a noite e o meu rosto são alguém que eu próprio desconheço

Gosto de pessoas


Gosto de pessoas que aceleram
ante a inevitabilidade do precipício,
roubando assim alguns segundos
ao indecente gozo de Deus.

Os prazeres da leitura


No seu leito de moribundo o meu pai lê
As memórias de Casanova.
Eu vejo a noite cair,
Algumas janelas que se iluminam na rua.
Numa delas uma jovem lê
Junto ao vidro.
Há muito tempo que não ergue os olhos,
Mesmo com a escuridão a chegar.

Enquanto ainda há um resto de luz,
Desejo que ela levante a cabeça,
E eu consiga ver-lhe a cara
Que já consigo imaginar,
Mas o livro deve ser intrigante.
Além disso, que silêncio,
Cada vez que volta uma página,
Consigo ouvir o meu pai, que também volta uma,
Como se eles lessem o mesmo livro.

in Previsão de Tempo para Utopia e Arredores, A&A 2002

after all the pain is gone



I love the tone that's in your laugh
Gasping for an extra breath
Waiting for the time to pass
I believe in days ahead
Don't spend another night alone
Cross and wishing you were dead

Mary, you shouldn't let 'em make you mad
You hold the best you can
And Mary, after all the pain is gone
I'm always gonna live to be your man

I've had it easy now you see
When I'm down you're always there
Standing by to comfort me
Someday we'll go round the world
I'll make the journey so sublime
I know you're not a travellin' girl

Mary, you shouldn't let 'em make you mad
You hold the best you can
And Mary, after all the pain is gone
I'm always gonna live to be your man

Cause I'd give everything I have
Forget all the things that bring me joy
If you could have one day
Pure and simple happiness
Until that moment comes
I'll be here where I've always been
I'm gonna be your friend
Until the day I die

Mary, you shouldn't let 'em make you mad
You hold the best you can
And Mary, after all the pain is gone
I'm always gonna live to be your man

quinta-feira, 11 de setembro de 2014

Fotografia do 11 de Setembro


Atiraram-se dos andares em chamas.
Um, dois, ainda alguns,
mais acima, mais abaixo.
A fotografia deteve-os na vida,
preservou-os
sobre a terra rumo à terra.
Cada um ainda na íntegra,
com rosto individual
e sangue bem guardado.
Ainda há tempo
para os cabelos esvoaçarem
e do bolso caírem
chaves e alguns trocos.
Ainda estão no âmbito do ar,
ao alcance dos lugares
que acabaram de se abrir.
Só duas coisas posso por eles fazer:
descrever este voo
e não acrescentar a última frase.

Via CVM

quinta-feira, 4 de setembro de 2014

A friend in need's a friend indeed


A friend in need's a friend indeed
A friend with weed is better
A friend with breasts and all the rest
A friend who's dressed in leather

A friend in need's a friend indeed
A friend who'll tease is better
Our thoughts compress
Which makes us blessed
And makes for stormy weather

A friend in need's a friend indeed
My Japanese is better
And when she's pressed, she will undress
And then she's boxing clever

A friend in need's a friend indeed
A friend who bleeds is better
My friend confessed she passed the test
And we will never sever

Day's dawning, skins crawling [x4]
Pure morning [x4]

A friend in need's a friend indeed
A friend who'll tease is better
Our thoughts compress
Which makes us blessed
And makes for stormy weather

A friend in need's a friend indeed
A friend who bleeds is better
My friend confessed she passed the test
And we will never sever

Day's dawning, skins crawling [x4]
Pure morning [x4]

A friend in need's a friend indeed
My Japanese is better
And when she's pressed, she will undress
And then she's boxing clever

A friend in need's a friend indeed
A friend with weed is better
A friend with breasts and all the rest
A friend who's dressed in leather

segunda-feira, 1 de setembro de 2014

estamos todos condenados a viver na cela solitária da nossa pele.


E por isso falamos uns com os outros, escrevemos, telegrafamos e telefonamos uns aos outros, de perto ou de longe, cruzando terra e mar, apertamos as mãos à chegada e à partida, lutamos uns com os outros e até nos destruímos uns aos outros neste esforço algo frustrado de atravessar paredes em direcção ao outro. Como disse uma vez um personagem numa peça, estamos todos condenados a viver na cela solitária da nossa pele.

Via Miss V.

sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Sometimes a man gets carried away



Looking out the door
I see the rain fall upon the funeral mourners
Parading in a wake of sad relations
As their shoes fill up with water

Maybe I'm too young
To keep good love from going wrong
But tonight, you're on my mind so
You never know

Broken down and hungry for your love
With no way to feed it
Where are you tonight?
Child, you know how much I need it.
Too young to hold on
And too old to just break free and run

Sometimes a man gets carried away,
When he feels like he should be having his fun
Much too blind to see the damage he's done
Sometimes a man must awake to find that, really,
He has no-one...

So I'll wait for you... And I'll burn
Will I ever see your sweet return?
Oh, will I ever learn?
Oh, Lover, you should've come over
Say it's not too late.

Lonely is the room, the bed is made
The open window lets the rain in
Burning in the corner is the only one
Who dreams he had you with him
My body turns and yearns for a sleep
That won't ever come
It's never over,
My kingdom for a kiss upon her shoulder
It's never over,
all my riches for her smiles when I slept so soft against her...
It's never over,
All my blood for the sweetness of her laughter...
It's never over,
She's a tear that hangs inside my soul forever...

But maybe I'm just too young to keep good love
From going wrong
Oh... lover, you should've come over...

Yes, and I feel too young to hold on
I'm much too old to break free and run
Too deaf, dumb, and blind
To see the damage I've done
Sweet lover, you should've come over
Oh, love, well I'll wait for you
Lover, you should've come over
It's not too late.

quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Ó mãe


Ó mãe
aqui no teu colo,
tão bom como uma taça cheia de nuvens,
a mim, a tua criança gulosa
é me dado o teu peito,
o mar embrulhado em pele,
e os teus braços.
raízes cobertas de musgo
com novos rebentos a nascerem
para me fazerem cocegas até ao riso
Sim, estou casada com o meu ursinho
mas ele tem o teu cheiro
e também o meu.
O teu colar que eu toco
é todo olhos de anjo.
Os teus anéis que brilham
são como a lua no charco.
As tuas pernas que abanam para cima e para baixo,
as tuas queridas pernas cobertas de nylon
são os cavalos que eu cavalgarei
para a eternidade.

Ó mãe,
depois deste colo de infância
nunca irei avançar
para o mundo das pessoas grandes
como um estranho
uma invenção,
ou vacilar
quando alguém
for tão vazio como um sapato.

texto
photo

quarta-feira, 27 de agosto de 2014

lesbians


In a Manner of speaking


I just want to say
That I could never forget the way
You told me everything
By saying nothing

In a manner of speaking
I don't understand
How love in silence becomes reprimand
But the way that i feel about you
Is beyond words

Oh give me the words
Give me the words
but tell me nothing
Ohohohoh give me the words
Give me the words
That tell me everything

In a manner of speaking
Semantics won't do
In this life that we live we only make do
And the way that we feel
Might have to be sacrified

So in a manner of speaking
I just want to say
That just like you I should find a way
To tell you everything
By saying nothing.

Oh give me the words
Give me the words
but tell me nothing
Ohohohoh give me the words
Give me the words
That tell me everything

O pai esmagou-nos desde sempre com uma terrível ameaça.


in A Casa Quieta.

quarta-feira, 20 de agosto de 2014

Your Love Is Killing Me



It's understood
You'll be a man by the time I see you
We've been through better days
And you've tasted all my pain

Break my legs so I won't walk to you
Cut my tongue so I can't talk to you
Burn my skin so I can't feel you
Stab my eyes so I can't see
You like it when I let you walk over me
You tell me that you like it
Your love is killing me

Try to tell you this when I'm sober, how I feel about loving you
Try to remember all the turn of events
Being led by our own fantasies, fantasies

Break my legs so I won't walk to you
Cut my tongue so I can't talk to you
Burn my skin so I can't feel you
Stab my eyes so I can't see
You like it when I let you walk over me
You tell me that you like it
When our minds become diseased

There he let it go, his temper, standing there
See her with his gun and he, steals love so he can feel alive
Everyone's knees knockin' at the fear of love
Taste blood
Everybody needs to feel

Break my legs so I won't run to you
Steal my soul so I am one with you
From a distance I am on to you
But I'll stab my eyes out so I can't see
You like it
When I let you walk over me
You tell me that you like it
You love me as you torture me
You told me that you liked it
But I won't let you see
All that I can do is what I can
With this pain you've given me
With this pain you've given me
Your love is killing me
Yes all your pain is killing me

segunda-feira, 18 de agosto de 2014

A estas coisas permitiremos o terem sido


"Tem algum verso de que goste muito?

Há um verso da Ilíada que é dos mais importantes da minha vida. Aparece duas vezes, diz o seguinte: “A estas coisas permitiremos o terem sido”. Aquiles olha para trás, para as coisas que estão para trás na vida dele, depois de as enumerar.

É uma forma de dizer...

Vou aceitar que o passado existiu desta forma, não vou entrar em luta com o que foi o passado, vou centrar-me no agora e no futuro. Esse verso é de uma profundidade espantosa. Não é óbvio. Muitas vezes estamos ainda a lutar com os anos que já passaram. Estamos a tentar entendê-los.

A fazer as pazes.

Sim. Chegar a esse ponto, de permitir que o passado tenha sido assim, é de absoluta lucidez."  

O leitor do mundo ─ Frederico Lourenço entrevistado por Anabela Mota Ribeiro para o Jornal Público.

sábado, 16 de agosto de 2014

Eterno Retorno


1. Your Funeral, My Trial
2. Tupelo
3. Do You Love Me?
4. Papa won't leave You, Henry
5. Red Right Hand
6. The Ship Song
7. Brother, My Cup Is Empty
8. The Weeping Song
9. Jack The Ripper Hope

We've come too far to give up who we are

h

Like the legendary Phoenix
All ends with beginnings
What keeps the planet spinning
If eyes of love beginning

Oh we come too far
To give up who we are
So let's raise the bars
And our cups to the stars

I'm up all night to the sun
He's up all night to get some
I'm up all night for good fun
He's up all night to get lucky
We're up all night to the sun
We're up all night to get some
We're up all night for good fun
We're up all night to get lucky (5x)

The present has no ribbon
Your gifts keeps on giving
What is this I'm feelin'
If you wanna leave I'm ready, oh
Cause we come too far
To give up who we are
So lets raise the bar
And our cups to the stars

I'm up all night to the sun
He's up all night to get some
I'm up all night for good fun
He's up all night to get lucky
We're up all night to the sun
We're up all night for good fun
We're up all night to get some
We're up all night to get lucky (5x)

Oh we come too far(4x)
To give up
Who we are
Who we are

I'm up all night to the sun
I'm up all night to get some
He's up all night for good fun
He's up all night to get lucky
We're up all night to the sun
We're up all night to get some
We're up all night for good fun
We're up all night to get lucky (4x)

sexta-feira, 15 de agosto de 2014

Tenho de tratar das coisas antes de partir


Tenho de tratar das coisas antes de partir.
Preciso de sapatos.
Preciso de uns bons sapatos.
Com solas de borracha.
Acho que isto vai ser duro.

Olhem para mim agora.

Vejo que me estou a aproximar com uma faca.
Vejo que me estou a aproximar com uma corda.
Alguma vez o tiro terá de ser disparado.
Importunei as pessoas com isto durante cinquenta anos.
Demorará meio segundo.

Porque é que me estão a olhar agora?

O amor não é para sempre.
Mas a morte é.
A morte é para sempre.

Adeus, vemo-nos mais tarde!
photo: the Abyss

As casas


Apaixonamo-nos pelas pessoas, quando as escutamos. Amamo-las. E só deixamos de as desejar quando deixamos de as ouvir. Com as casas passa-se o mesmo. Depois fica apenas uma ténue lembrança. Grata. Porque cheia de memórias.
Permitam-me que insista. As casas são como as pessoas. Porque também haveremos de amá-las mais quando elas deixarem de nos ser. Quando as perdermos. E, então, das duas uma: ou haveremos de desejá-las em ruínas, ou haveremos de desejar a nossa morte. Ou as duas. Depois, não teremos coragem nem para uma coisa nem para outra. Guardaremos essa mágoa. Sobreviveremos.

in As Casas, João Azevedo Editor, 1991.
Dóris Graça Dias (1963-2014)
photo

Lygia Fagundes Telles

   
   
    A menina tinha temperatura na parte que provocava temperatura simétrica no rapaz.
    A menina pousou os livros de estudo; Universidade é mais aborrecida que ancas de rapaz bonito, murmurou ela para os botões que começara a desapertar.
    A rapariga dobrava-se melhor e o rapaz mantinha-se erecto.
    Na totalidade de um corpo humano há certos quilos privilegiados pelo erotismo.
    A unidade de medida do sexo era a quantidade de compromissos a que nesse dia faltava.

Che la terra ti sia finalmente lieve


Io non ho bisogno di denaro.
Ho bisogno di sentimenti,
di parole, di parole scelte sapientemente,
di fiori detti pensieri,
di rose dette presenze,
di sogni che abitino gli alberi,
di canzoni che facciano danzare le statue,
di stelle che mormorino all’ orecchio degli amanti.
Ho bisogno di poesia,
questa magia che brucia la pesantezza delle parole,
che risveglia le emozioni e dà colori nuovi.

sexta-feira, 25 de julho de 2014

Now I am clean...sometimes...


Clean
The cleanest I've been
An end to the tears
And the in-between years
And the troubles I've seen

Now that I'm clean
You know what I mean
I've broken my fall
Put an end to it all
I've changed my routine
Now I'm clean

I don't understand
What destiny's planned
I'm starting to grasp
What is in my own hands
I don't claim to know
Where my holiness goes
I just know that I like
What is starting to show

Sometimes

Clean
The cleanest I've been
An end to the tears
And the in-between years
And the troubles I've seen

Now that I'm clean
You know what I mean
I've broken my fall
Put an end to it all
I've changed my routine
Now I'm clean

As years go by
All the feelings inside
Twist and they turn
As they ride with the tide
I don't advise
And I don't criticise
I just know what I like
With my own eyes

Sometimes

Clean
The cleanest I've been
An end to the tears
And the in-between years
And the troubles I've seen
Now that I'm clean

Sometimes

You know what I mean
I've broken my fall
Put an end to it all
I've changed my routine
Now I'm clean

Todos os dias saio, sempre em busca de outro caminho


Todos os dias saio, sempre em busca de outro caminho,
há muito interroguei já todos os da terra;
Além dos cimos frescos, todas as sombras visito
E as fontes; erra o espírito para cima e para baixo,
Pedindo sossego; assim foge o bicho f'rido pra os bosques,
Onde outrora ao mei'-dia repousava seguro à sombra;
Mas o seu leito verde já não lhe restaura o coração,
Lamentoso e sem sono o aguilhoa por toda a parte o espinho.
Nem do calor da luz nem do fresco da noite vem ajuda,
E em vão banhas as f'ridas nas ondas do rio.
e assim como debalde a terra lhe oferece a erva alegre
Que o cure, e nenhum dos zéfiros acalma os sangue a ferver,
Assim, queridos! assim a mim também, parece, e ninguém
Poderá tirar-me da fronte o sonho triste?

Sim, também nada serve, deuses da morte! que uma vez
Vós o prendais, e amarreis o homem vencido,
Quando, malvados, o tenhais levado para o fundo da noite horrível

Para então buscar, implorar, ou raivar convosco,
Ou talvez paciente morar no desterro medonho,
E ouvir com sorriso da vossa boca a insípida canção:
"Se tem de ser, esquece o teu bem, e adormece sem ruído!"
E contudo brota no teu peito um som de esperança,
Tu não podes ainda, ó minha alma! inda não podes
Habituar-te, e sonhas no meio do sonho de ferro!
Não é tempo de festa, mas eu queria corar meus cabelos;
Pois não estou eu sozinho? mas algo de amigo deve
Lá longe estar perto de mim, e eu sorrio e espanto-me
De como estou feliz assim no meio da dor."

terça-feira, 8 de julho de 2014

Poema só para Jaime Ovalle


Quando hoje acordei, ainda fazia escuro
(Embora a manhã já estivesse avançada).
Chovia.
Chovia uma triste chuva de resignação
Como contraste e consolo ao calor tempestuoso da noite.
Então me levantei,
Bebi o café que eu mesmo preparei,
Depois me deitei novamente, acendi um cigarro e fiquei pensando...
- Humildemente pensando na vida e nas mulheres que amei.

Via blog Acontecimentos

segunda-feira, 7 de julho de 2014

perto de ti as noites teriam sido de ouro


sabes
por vezes queria beijar-te
sei que consentirias
mas se nos tivessemos dado um ao outro ter-nos-iamos separado
porque os beijos apagam o desejo quando consentidos
foi melhor sabermos quanto nos queriamos
sem ousarmos sequer tocar nossos corpos
hoje tenho pena
parto com essa ferida
tenho pena de não ter percorrido o teu corpo
como percorro os mapas com os dedos teria viajado em ti
do pescoço às mãos da boca ao sexo
tenho pena de nunca ter murmurado teu nome no escuro
acordado
perto de ti as noites teriam sido de ouro
e as mãos teriam guardado o sabor do teu corpo
ah meu amigo
estou definitivamente só

Não importa, agora nada importa


Tocas um corpo, sentes-lhe o repetido tremor sob os teus dedos, o cálido andamento do sangue. Observas-lhe o lânguido amolecimento, as suas sombras corporais, o seu desvelado esplendor.

Não há palavras.

Tocas um corpo; um mundo enche agora as tuas mãos, empurra o seu destino. Estira-se o tempo nos pulmões silva como um chicote rente aos lábios. As horas, o instante, detêm-se, extrais aí a tua pequena parcela de eternidade. Antes foram os nomes e as datas. A história tão clara e lúcida de dois rostos distantes. Depois aquilo a que chamas amor, talvez se transforme em promessa arrancada, muro erguido que pretende encerrar aquilo que só em liberdade pode ganhar-se.
Não importa, agora nada importa.
Tocas um corpo, nele te fundes, apalpas a vida, real, comum.
Já não estás só.

A Exaltação da Pele


Hoje quero com a violência da dádiva interdita.
Sem lírios e sem lagos
e sem gesto vago
desprendido da mão que um sonho agita.
Existe a seiva. Existe o instinto. E existe eu
suspensa de mundos cintilantes pelas veias
metade fêmea metade mar como as sereias.

Gonçalo Mira


O meu amor por ti é simples
como beber água das mãos em concha
como os dentes rasgando uma maçã
no arrepio que percorre o corpo.

O meu amor por ti é simples 
como as tardes lentas sobre a relva
como o leite que dança no chá
antes de serem um.

in Fontelo, 2014.

quinta-feira, 3 de julho de 2014

Disappear here*


You can disappear here
Without knowing it
You can disappear here
Without believing it

Leave me alone. Take me with you
Bring me apart, a part from you

Inject your soul
With a milligram of false hope
Write your last loath song

In Moonspell Butterfly Effect, track 8, 1999.
*título relacionado com o romance Menos que zero de Brett Easton Ellis.

Brancos são os rostos


Tenho uma folha branca
                            e limpa à minha espera:

mudo convite

tenho uma cama branca
                            e limpa à minha espera:

mudo convite

tenho uma vida branca
                            e limpa à minha espera.

foto 1


Esqueceria outros
pelo menos três ou quatro rostos que amei
Num delírio de arquivística
organizei a memória em alfabetos
como quem conta carneiros e amansa
no entanto flanco aberto não esqueço
e amo em ti os outros rostos

foto 2

Este livro


Este Livro

Meu filho. Não é automatismo. Juro. É jazz do
coração. É prosa que dá prêmio. Um tea for two
total., tilintar de verdade que você seduz,
charmeur volante, pela pista, a toda. Enfie a
carapuça.
E cante.
Puro açúcar branco e blue.

foto

o beijo


Um rapaz beijou-me ontem à tarde
E o seu beijo era um vinho perfumado
Tão longamente bebi nesses lábios o vinho do amor
que ainda agora me sinto embriagada.

Anónimo - Grécia (séc. I a.c.)
Trad.Jorge Sousa Braga
Via Cris Félix facebook

terça-feira, 1 de julho de 2014

Amor Constante Para Além da Morte


Pode fechar-me os olhos a derradeira
sombra que de mim leva o branco dia,
e livrar de tudo o que prendia
a alma ansiosa, a hora que se abeira;

mas não deixará na margem da ribeira
a memória dos sítios onde ardia:
minha chama nada na água fria
e a dura lei enfrenta altaneira.

Alma de que todo um deus foi prisão,
veias onde tanto fogo foi gerado,
medulas em gloriosa combustão:

o corpo deixará, não seu cuidado;
cinzas hão-de ser, mas com coração;
serão pó, sim, mas pó apaixonado.

in Os dias do Amor

terça-feira, 17 de junho de 2014

L de Ler


Cada um regressa aonde pode e ele volta sempre à cara das palavras. Como uma campânula exposta ao seu órgão de luzes procurava o sentido dos nomes, a morte percutida, a fala transformada no som da linguagem, a arte esquecida e excessiva da poesia. Num tempo neutro acordo onde brilha perdido o dia um peixe. Deu passos em volta, feridos que bastasse, disse sim, também eu se quisesse enlouquecia. Bordou páginas e páginas pelos séculos adiante, noites inteiras, entregue a quase toda a vida dessa voz em maton. Quase toda. E concluiu: meu deus, não compreendo nada. Talvez seja louco revulsivo. E meteu-se debaixo do vulcão. Aspirava a esquecer tudo, deixar que a luz viesse do princípio. Era quando morríamos entregues à febre. Alguém tocava um piano velho dentro do copo de vinho que bebia e do fundo do café apenas chegava o inverno sem sons. A viagem ao fim da noite. Tropeçou em muitos lugares, tropeços e tropeços, semáforos trocados, algumas vezes caiu, pouco. Mas nunca mais de lá saiu, do sítio certo. Nem é preciso, está tudo dito, e é definitivo. Faltava acabar a obra, o outro lado do crime. Porque foi assente: apenas o amor e as palavras são dois crimes sem perdão. E é aqui que aparecem cidades indefesas  presságios a tatuar-lhe a alma, a violentar as margens do que já tinha sido o sangue prisioneiro. É um menino musical, um grafonolinho. Fala, fala e fala. Como as crianças que têm medo no escuro e precisam de ouvir nem que seja a sua própria voz. Ela está permanentemente no escuro. Ele é um homem  que tem uma certa dificuldade em ouvir mais de dez por cento do que lhe dizem. Mesmo quando, ou sobretudo quando está a olhar nos olhos de quem fala.  De repente diz qualquer coisa, uma frase, uma palavra, e é a síntese perfeita. O acorde perfeito, já agora. De modo que, veja-se, aconteceu esta coisa um tanto apocalíptica: descobriram que se entendiam segundo as leis de uma energia desregulada - e imagina-se isto aplicado a dois corpos em movimento. Há quem lhe chame paixão, há quem diga que é onde um homem pode começar a morrer. Porque, também já se sabe, agora o combate é de vida ou de morte. O verdadeiro lado donde o crime será fatal.

In O Nome do Mundo
texto via blog Arquivo de Cabeceira

Amor


Já não me amas, estamos apenas. Acarinhas-me como sempre, mas já não procuras saber de mim. Findaste a tua busca e repousas tranquilamente nos beijos ocasionais. O sexo, último reduto da consumação plena do nosso amor, continua puro, mas morre só, nada vem depois. Tão simplesmente porque o amor carnívoro que me tinhas acabou. Já não me falas da navalha que trazes no bolso, nem do chão que nos tremeu. O tempo falta-te e queres novas descobertas, já não é em mim que navegas. Talvez os mares exóticos te tenham levado, onde peixes de mil cores te fazem feliz, talvez tenhas regressado a terra, ao lar que é só teu. Na tua ausência, de corpo ainda presente, sinto que perdi aquele que um dia foste para mim, e contigo, perdi-me eu também.
Se o amor morreu, queime-se o corpo; se fugiu, mande-se abater. Só os mortos se choram.

texto via blog Correio da Júlia.

Se juntos já jogamos tudo fora


Ah, se já perdemos a noção da hora
Se juntos já jogamos tudo fora
Me conta agora como hei de partir

Se ao te conhecer, dei pra sonhar, fiz tantos desvarios
Rompi com o mundo, queimei meus navios
Me diz pra onde é que inda posso ir

Se nós, nas travessuras das noites eternas
Já confundimos tanto as nossas pernas
Diz com que pernas eu devo seguir

Se entornaste a nossa sorte pelo chão
Se na bagunça do teu coração
Meu sangue errou de veia e se perdeu

Como, se na desordem do armário embutido
Meu paletó enlaça o teu vestido
E o meu sapato inda pisa no teu

Como, se nos amamos feito dois pagãos
Teus seios inda estão nas minhas mãos
Me explica com que cara eu vou sair

Não, acho que estás te fazendo de tonta
Te dei meus olhos pra tomares conta
Agora conta como hei de partir

Madrigal


gosto quando pões a quinta porque me tocas na perna com o nó dos dedos

Repousar frouxa, farta Murcha, morta de cansaço


Quero ficar no teu corpo
Feito tatuagem
Que é pra te dar coragem
Pra seguir viagem
Quando a noite vem

E também pra me perpetuar
Em tua escrava
Que você pega, esfrega
Nega, mas não lava

Quero brincar no teu corpo
Feito bailarina
Que logo te alucina
Salta e se ilumina
Quando a noite vem

E nos músculos exaustos
Do teu braço
Repousar frouxa, farta
Murcha, morta de cansaço

Quero pesar feito cruz
Nas tuas costas
Que te retalha em postas
Mas no fundo gostas
Quando a noite vem

Quero ser a cicatriz
Risonha e corrosiva
Marcada a frio
Ferro e fogo
Em carne viva

Corações de mãe, arpões
Sereias e serpentes
Que te rabiscam
O corpo todo
Mas não sentes

sábado, 31 de maio de 2014

A vida é sempre a perder


Enganamo-nos sempre duas vezes sobre aqueles que amamos: primeiro a favor deles, depois contra eles.

In La mort heureuse (1971)
Foto Creative Rehab

quinta-feira, 22 de maio de 2014

Para a nossa filha*


Comecei a escrever para ti ainda antes de te sentir, quando o sonho mal parecia real e eu apenas ansiava que acontecesses. As palavras sempre me foram a melhor maneira de chamar a felicidade. Eu queria falar contigo mesmo antes de existires, inventar nomes na minha cabeça que fizessem justiça à beleza dos teus olhos que – agora – espero sofregamente por ver. Eu queria acima de tudo merecer-te, preparar-me para te receber em mim. Percebo, enfim, que nada disto nos ensina a maior bênção de todas.
Ontem espreitei-te mais uma vez naquele pequeno ecrã: a maneira como escondias o rosto – eu ali a pensar se serás tão tímida como eu, se gostarás também de uma certa dose de melancolia quando cresceres ou se o teu sorriso irá iluminar todas as salas do mundo sem o menor esforço. Dei-me conta que já não suporto filmes tristes, nada triste, com medo que me sintas a chorar por dentro, apercebo-me aos poucos que o coração de pedra se vai desfazendo aos bocadinhos e que todas as defesas que estabeleci até hoje se desmoronam a olhos vistos. Sorrio por tudo e por nada – ainda mais – e morro de medo e preocupação que alguma coisa corra menos bem. Porque já não sou sozinha, a cada dia que corre tu vais crescendo mais e mais. As mãos do teu pai na minha barriga são um arrepio dos bons, os beijos e abraços da tua irmã fazem-me sentir a mulher mais especial à face da terra e penso como vivi este tempo todo sem ti, como pude pensar que ser mãe não era sorte que me estivesse destinada. Penso também como serei capaz de te educar no meio de tantas barreiras impostas por quem, com certeza, não sabe o que é viver na instabilidade deste país, e como mesmo assim poderei dar-te o melhor de mim, dos outros. Não poderei em tempo algum ser egoísta. Não que o seja agora, acredito que não. Mas onde irei esconder a angústia de sentir se estou a fazer o mais correcto ou apenas a seguir o caminho mais fácil, que todos seguem? Como te dar a infância que nunca tive? Aquela lembrança feliz de tudo ser possível, que nunca soube o que é? Sei que todas estas dúvidas tomam conta de mim, como nunca.
Mas só uma coisa é certa: nos nossos corações não podias ter sido mais desejada, Maria Inês.

*And we will love you all the time

terça-feira, 6 de maio de 2014

o amado odor do corpo




Estou em ti
como o amado odor do corpo
como o humor do olho
e a doce saliva

Estou dentro de ti
no modo misterioso
como a vida se dissolve no sangue
e se mescla ao respiro

sábado, 26 de abril de 2014

Lugar


de noite ficas mais perto e eu sei
por exemplo o teu corpo inteiro
como as mãos e os pés e respiras
como te voltas e me procuras
e sei também de um tempo
que nós criámos e que cresce
para a frente e para trás de tudo
de como me enches memórias
de nós antes de sermos, de ti
antes de ti, os beijos certos que
demos e não demos, mas somos
bem capazes disso, não somos?
nenhum mal nos cerca, pois não?
nem um lugar sem nós se veja
via blog Acordar um dia.

Ser Solidário


Ser solidário assim pr’além da vida
Por dentro da distância percorrida
Fazer de cada perda uma raiz
E improvavelmente ser feliz

De como aqui chegar não é mister
Contar o que já sabe quem souber
O estrume em que germina a ilusão
Fecundará por certo esta canção

Ser solidário assim tão longe e perto
No coração de mim por mim aberto
Amando a inquietação que permanece
Pr’além da inquietação que me apetece

De como aqui chegar nada direi
Senão que tu já sentes o que eu sei
Apenas o momento do teu sonho
No amor intemporal que nos proponho

Ser solidário sim, por sobre a morte
Que depois dela só o tempo é forte
E a morte nunca o tempo a redime
Mas sim o amor dos homens que se exprime

De como aqui chegar não vale a pena
Já que a moral da história é tão pequena
Que nunca por vingança eu te daria
No ventre das canções sabedoria

foto retirada daqui.

sexta-feira, 18 de abril de 2014

na barriga também era divertido


A Ana quer
nunca ter saído
da barriga da mãe.
Cá fora está-se bem
mas na barriga também
era divertido.

O coração ali à mão,
os pulmões ali ao pé,
ver como a mãe é
do lado que não se vê.

O que a Ana mais quer ser
quando for grande e crescer
é ser outra vez pequena:
não ter nada que fazer
senão ser pequena e crescer
e de vez em quando nascer
e voltar a desnascer.

terça-feira, 15 de abril de 2014

e do Eterno se dirá o Ausente


Se é verdade que o gelo
suplantará o tímido calor
de nossas mãos agarradas
e que outro destino não teremos
na terra banhada da chuva
das folhas do outono
é certo então que ao pó retornam os mundos

As eras se abaterão sem rumor
como castelos de cinzas
sobre a lareira que já ninguém toca
na casa desabitada
só o vento fará gemer as portas
até que apodreçam sob o céu
quando até mesmo o teto tenha desabado

Eis tudo o que restará da casa
e do Eterno se dirá o Ausente

Foto de Splice Pictures X

a mulher vestida de sol


Nada do mundo mais próximo
mas aqueles a quem negamos a palavra
o amor, certas enfermidades, a presença mais pura
ouve o que diz a mulher vestida de sol
quando caminha no cimo das árvores
"a que distância da língua comum deixaste
o teu coração?"

a altura desesperada do azul
no teu retrato de adolescente há centenas de anos
a extinção dos lírios no jardim municipal
o mar desta baía em ruínas ou se quiseres
os sacos do supermercado que se expandem nas gavetas
as conversas ainda surpreendentemente escolares
soletradas em família
a fadiga da corrida domingueira pela mata
as senhas da lavandaria com um "não esquecer" fixado
o terror que temos
de certos encontros de acaso
porque deixamos de saber dos outros
coisas tão elementares
o próprio nome

ouve o que diz a mulher vestida de sol
quando caminha no cimo das árvores
"a que distância deixaste
o coração?"

domingo, 13 de abril de 2014

Canção


Pus o meu sonho num navio
e o navio em cima do mar;
- depois, abri o mar com as mãos,
para o meu sonho naufragar.
Minhas mãos ainda estão molhadas
do azul das ondas entreabertas,
e a cor que escorre de meus dedos
colore as areias desertas.
O vento vem vindo de longe,
a noite se curva de frio;
debaixo da água vai morrendo
meu sonho, dentro de um navio...
Chorarei quanto for preciso,
para fazer com que o mar cresça,
e o meu navio chegue ao fundo
e o meu sonho desapareça.
Depois, tudo estará perfeito;
praia lisa, águas ordenadas,
meus olhos secos como pedras
e as minhas duas mãos quebradas.

Sim, por favor


Uma mão quente.
Uma casa quente.
Um pullover quente
para cobrir meus pensamentos gelados.
Um corpo quente
para cobrir o meu corpo.
Uma alma quente
para cobrir a minha alma.
Uma vida quente
para cobrir a minha vida gelada.

Foto de Sadie Harris
Via blog o polvo

Segunda Meditação


Alguém te sopra como se fosses um dente-de-leão.
Nua, flutuas no escuro e não sabes –
o que é escuridão, ou luz, ou tu, ou existência.
E no entanto as sementes dançam à tua volta,
filamentos a caminho do nada. Talvez um caia em terra fofa.
A probabilidade de germinar é extraordinariamente pequena,
mas tudo flutua. Tudo junto és tu.

Primeira Meditação


És a única árvore no mundo que recusa
crescer em direcção à luz. Em vez disso enterras-te
com raízes cada vez mais profundas,
camada de terra após camada, tempo passado,
rumo ao calor, e calculas já estar a meio caminho.
Depressa deixas de sentir as toupeiras, minhocas
ou raízes de outros seres, tetra-cego das cavernas
na sua noite infinita. O frio é cada vez maior.
Não sabes se consegues crescer a distância necessária
para encontrares o magma. Estás só, mas a caminho.

A brother's love is... a brother's love.

Para a minha irmã,

Amor fraternal num tempo em que tudo era possível.
A mana que me deitava do sofá abaixo é a mana que me ampara desde sempre.

Florença, Páscoa de 1999.