Esta é a noite mais triste, porque me vou embora e não volto mais.
Esta é a primeira frase de Jay, personagem da fascinante história de Hanif Kureishi sobre o final de um relacionamento.
Intimidade, de Hanif Kureishi (trad. Inês Dias)
quarta-feira, 21 de outubro de 2015
segunda-feira, 19 de outubro de 2015
o meu sangue são a tua dor
Desfloras-me
desfloro-te
porque temos flores
um para o outro
o teu ritmo
em mim
sobre mim
tão novo
para mim
é muito antigo
é como o dos animais
ganho a minha virgindade
que te dou
e que não perco
sou sempre virgem
a minha dor
o meu sangue
são a tua dor
o teu sangue
sexta-feira, 16 de outubro de 2015
Uma espécie de perda
Usámos a dois: estações do ano, livros e uma música.
As chaves, as taças de chá, o cesto do pão, lençóis de linho e uma cama.
Um enxoval de palavras, de gestos, trazidos,
utilizados, gastos.
Cumprimos o regulamento de um prédio. Dissemos.
Fizemos. E estendemos sempre a mão.
Apaixonei-me por Invernos, por um septeto vienense e por Verões.
Por mapas, por um ninho de montanha, uma praia e uma cama.
Ritualizei datas, declarei promessas irrevogáveis,
idolatrei o indefinido e senti devoção perante um nada,
( - o jornal dobrado, a cinza fria, o papel com um
apontamento)
sem temores religiosos, pois a igreja era esta cama.
De olhar o mar nasceu a minha pintura inesgotável.
Da varanda podia saudar os povos, meus vizinhos.
Ao fogo da lareira, em segurança, o meu cabelo tinha a
sua cor mais intensa.
A campainha da porta era o alarme da minha alegria.
Não te perdi a ti,
perdi o mundo.
o tempo aprazado
(últimos poemas 1957-1967)
trad. judite berkemeier e joão barrento
assírio & alvim
1992
Via blog canal de poesia
foto: Dear Caffeine
manobras de outono
Não digo: isso foi ontem. Com insignificantes
trocos de Verão nos bolsos, estamos de novo deitados
sobre o joio do sarcasmo, nas manobras de Outono do tempo.
E a nós não nos é dada, como aos pássaros,
a retirada para o sul. À noite passam por nós
traineiras e gondolas, e por vezes
atinge-me um estilhaço de mármore impregnado de sonho,
onde a beleza me torna vulnerável, nos olhos.
Leio nos jornais muitas notícias - do frio
e suas consequências, de imprudentes e mortos,
de exilados, assassinos e meríades
de blocos de gelo, mas pouca coisa que me dê prazer.
E porque havia de dar? Ao pedinte que vem ao meio-dia
fecho-lhe a porta na cara, porque há paz
e podemos evitar essas cenas, mas não
o triste cair das folhas à chuva.
Vamos viajar! Debaixo dos ciprestes
ou de palmeiras ou nos laranjais, vamos
contemplar a preços reduzidos
inigualáveis pôr-do-sol! Vamos esquecer
as cartas ao dia de ontem, não respondidas!
O tempo faz milagres. Mas se chegar quando não nos convém,
com o bater da culpa - não estamos em casa.
Na cave do coração, desperto, encontro-me de novo
sobre o joio do sarcasmo, nas manobras de Outono do tempo.
quinta-feira, 15 de outubro de 2015
Tarefas domésticas
Beijamo-nos como quem,
debaixo do mesmo tecto,
limpa o pó, aspira o chão,
desempoeira o corpo
carente de afecto.
Mas precisar não é pertencer,
há sempre uma cortina,
um tapete que pode esconder.
Precisar é como respirar,
é coisa de repetir sem pensar,
e nós corpos que não são do outro um,
corpos que depois do amor,
já não é amor e ainda lhe chamamos amor,
amargos por dentro, mudam de cama,
evitam a intimidade do sono
como cães sem dono, ao abandono.
Raquel Serejo Martins, inédito, Outubro|2015
Na floresta do alheamento
Desenganemo-nos da esperança, porque trai, do amor, porque cansa, da vida, porque farta e não sacia, e até da morte, porque traz mais do que se quer e menos do que se espera.
In Na floresta do alheamento [do Livro do Desassossego em preparação], in A Águia, n.º 20 [2.ª série], agosto de 1913, pp. 38-42. Via blog Equinócio de Outono.
segunda-feira, 12 de outubro de 2015
e eu vejo através da fechadura que o tempo continua escuro
não houve tempo para despedidas
dentro de casa há lâmpadas acesas
no final da tarde
quando a luz projecta sombras na parede
a casa é como uma paisagem
e eu vejo através da fechadura
que o tempo continua escuro
Seria mais feliz um momento ...
Se eu pudesse trincar a terra toda
E sentir-lhe um paladar,
Seria mais feliz um momento ...
Mas eu nem sempre quero ser feliz.
É preciso ser de vez em quando infeliz
Para se poder ser natural...
Nem tudo é dias de sol,
E a chuva, quando falta muito, pede-se.
Por isso tomo a infelicidade com a felicidade
Naturalmente, como quem não estranha
Que haja montanhas e planícies
E que haja rochedos e erva ...
O que é preciso é ser-se natural e calmo
Na felicidade ou na infelicidade,
Sentir como quem olha,
Pensar como quem anda,
E quando se vai morrer, lembrar-se de que o dia morre,
E que o poente é belo e é bela a noite que fica...
Assim é e assim seja ...
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