Lá fora há sol.
Não é mais que um sol
porém os homens olham-no
e depois cantam.
Eu não sei do sol.
Eu sei a melodia do anjo
e o sermão quente
do último vento.
Sei gritar até de manhã
quando a morte pousa nua
na minha sombra.
Eu choro debaixo do meu nome.
Eu agito lenços na noite e barcos sedentos de realidade
dançam comigo.
Eu oculto cravos
para escarnecer dos meus sonhos enfermos.
Lá fora há sol.
Eu visto-me de cinzas.
terça-feira, 30 de julho de 2013
sexta-feira, 26 de julho de 2013
beijar-te as costas e tocar na tua pele e dizer quanto gosto do teu cabelo
E eu quero brincar às escondidas contigo e dar-te as minhas
roupas e dizer que gosto dos teus sapatos e sentar-me nos degraus enquanto tu
tomas banho e massajar o teu pescoço e beijar-te os pés e segurar na tua mão e
ir comer uma refeição e não me importar se tu comes a minha comida e
encontrar-me contigo no Rudy e falar sobre o dia e passar à máquina as tuas
cartas e carregar as tuas caixas e rir da tua paranóia e dar-te cassetes que tu
não ouves e ver filmes óptimos ver filmes horríveis e queixar-me da rádio e
tirar-te fotografias a dormir e levantar-me para te ir buscar café e brioches e
folhados e ir ao Florent beber café à meia-noite e tu a roubares-me os cigarros
e a nunca conseguir achar sequer um fósforo e falar-te sobre o programa da
televisão que vi na noite anterior e levar-te ao oftalmologista e não rir das
tuas piadas e querer-te de manhã mas deixar-te dormir um bocado e beijar-te as
costas e tocar na tua pele e dizer quanto gosto do teu cabelo dos teus olhos
dos teus lábios do teu pescoço dos teus peitos do teu rabo do teu
_______________________ e sentar-me nos degraus a fumar até o teu vizinho
chegar a casa e se sentar nos degraus a fumar até tu chegares a casa e
preocupar-me quando estás atrasada e ficar surpreendido quando chegas cedo e
dar-te girassóis e ir à tua festa e dançar até ficar todo negro e pedir
desculpa quando estou errado e ficar feliz quando me desculpas e olhar para as
tuas fotografias e desejar ter-te conhecido desde sempre e ouvir a tua voz no
meu ouvido e sentir a tua pele na minha pele e ficar assustado quando estás
zangada e um dos teus olhos vermelho e o outro azul e o teu cabelo para a
esquerda e o teu rosto para oriente e dizer-te que és lindíssima e abraçar-te
quando estás ansiosa e amparar-te quando estás magoada e querer-te quando te
cheiro e ofender-te quando te toco e choramingar quando estou ao pé de ti e
choramingar quando não estou e babar-me para o teu peito e cobrir-te à noite e
ficar frio quando me tiras o cobertor e quente quando não o fazes e derreter-me
quando sorris e desintegrar-me quando te ris e não compreender porque é que
pensas que eu te estou a deixar quando eu não te estou a deixar e pensar como é
que tu podes achar que eu alguma vez te podia deixar e pensar quem tu és mas
aceitar-te na mesma e contar-te sobre o rapaz da floresta encantada de
árvores-anjo que voou por cima do oceano porque te amava e escrever-te poemas e
pensar porque é que tu não acreditas em mim e ter um sentimento tão profundo
que para ele não existem palavras e querer comprar-te um gatinho do qual teria
ciúmes porque teria mais atenção que eu e atrasar-te na cama quando tens de ir
e chorar como um bebé quando finalmente vais e ver-me livre das baratas e
comprar-te prendas que tu não queres e levá-las de volta outra vez e pedir-te em
casamento e tu dizeres não outra vez mas eu continuar a pedir-te porque embora
tu penses que eu não estou a falar a sério eu estou mesmo a falar a sério desde
a primeira vez que te pedi e vaguear pela cidade pensando que ela está vazia
sem ti e querer aquilo que queres e achar que me estou a perder mas saber que
estou seguro contigo e contar-te o pior que há em mim e tentar dar-te o meu
melhor porque não mereces menos e responder às tuas perguntas quando deveria
não o fazer e dizer-te a verdade quando na verdade não o quero e tentar ser
honesto porque sei que preferes assim e pensar que acabou tudo mas ficar
agarrado a apenas mais dez minutos antes de me atirares para fora da tua vida e
esquecer-me de quem eu sou e tentar chegar mais perto de ti porque é maravilhoso
aprender a conhecer-te e vale bem o esforço e falar mau alemão contigo e pior
ainda em hebreu e fazer amor contigo às três da manhã e de alguma maneira de
alguma maneira de alguma maneira transmitir algum do esmagador, imortal,
irresistível, incondicional, abrangente, preenchedor, desafiante, contínuo e
infindável amor que tenho por ti.
quinta-feira, 25 de julho de 2013
Memorie bolognesi
Vecchia Bologna, t’amo! [...]
Questa è la poesia, la vita, il moto
Che la mia mente sogna...
È pieno il mio bicchier — senti? — Lo vuoto
Per te, vecchia Bologna!"
(Da 'Memorie bolognesi', Postuma, Olindo Guerrini, 1877)
Questa è la poesia, la vita, il moto
Che la mia mente sogna...
È pieno il mio bicchier — senti? — Lo vuoto
Per te, vecchia Bologna!"
(Da 'Memorie bolognesi', Postuma, Olindo Guerrini, 1877)
Foto © Elisabetta Mandrioli, 2013
"Bologna e i suoi portici" (quartiere Santo Stefano, luglio 2013)
© Elisabetta Mandrioli, 2013
sexta-feira, 19 de julho de 2013
Becherovka
Norueguesa, alta, de um moreno
duvidoso que sorria muito.
Pedia-me insistentemente para não estar
triste como deveras estava.
E pagou-me, creio, o último copo,
antes de me perguntar "o que fazia".
Escrever, sobre a morte, não é
exactamente uma profissão.
Mas foi a resposta que lhe dei,
enquanto um guardanapo qualquer
abreviava, só para ela, a minha "obra".
Nunca saberei se percebeu a letra,
se comprou os livros, se chegou
a ouvir o que em péssimo francês
lhe tentei dizer nessa noite, a mais perdida.
Os versos são quase sempre isto: um modo
inaceitável de dizer que não tocámos o corpo
que esteve, por uma vez, tão próximo
de nós – e que nem um nome breve nos deixou.
Via blog Hospedaria Camões
duvidoso que sorria muito.
Pedia-me insistentemente para não estar
triste como deveras estava.
E pagou-me, creio, o último copo,
antes de me perguntar "o que fazia".
Escrever, sobre a morte, não é
exactamente uma profissão.
Mas foi a resposta que lhe dei,
enquanto um guardanapo qualquer
abreviava, só para ela, a minha "obra".
Nunca saberei se percebeu a letra,
se comprou os livros, se chegou
a ouvir o que em péssimo francês
lhe tentei dizer nessa noite, a mais perdida.
Os versos são quase sempre isto: um modo
inaceitável de dizer que não tocámos o corpo
que esteve, por uma vez, tão próximo
de nós – e que nem um nome breve nos deixou.
Via blog Hospedaria Camões
Casa sobre o mar
A viagem acaba aqui:
nos mesquinhos cuidados que dividem
a alma que não sabe já dar um grito.
Agora os minutos são iguais e fixos
como as voltas da roda de uma bomba.
Uma volta: a subida da água que retumba.
Uma outra, nova água, por vezes um ranger.
A viagem acaba nesta praia
que os assíduos e lentos fluxos atormentam.
Nada se desvela para além dos preguiçosos fumos
a marina que tecem de conchas
os benignos ventos: e é raro que se mostrem
na bonança muda
entre as ilhas do ar migrantes
os espinhaços da Córsega ou a Capraia
Tu perguntas se tudo assim se desvanece
Nesta pouca névoa de memórias;
Se na hora que entorpece ou no suspiro
do recife se cumprem todos os destinos.
Queria dizer-te que não, que se aproxima
a hora em que passarás para lá do tempo;
talvez só quem o quer seja infinito.
e isso tu poderás, quem sabe, mas eu não.
Penso que para os mais não haja salvação,
mas alguns subvertem todo o desígnio,
passam o umbral, encontram-se de novo quando querem.
Antes de renunciar queria indicar-te
este modo de fuga.
lábil como os agitados campos
do mar a espuma ou a ruga.
Dou-te também a minha avara esperança.
Para novos dias, cansado, não sei alimentá-la:
dou-a em penhor ao teu fado, p’ra que ela te salve.
O caminho acaba nesta riba
Que a maré rói com movimento alterno.
O teu coração está perto e não me liga
levanta ferro já talvez para o eterno
Via blog O Melhor Amigo
nos mesquinhos cuidados que dividem
a alma que não sabe já dar um grito.
Agora os minutos são iguais e fixos
como as voltas da roda de uma bomba.
Uma volta: a subida da água que retumba.
Uma outra, nova água, por vezes um ranger.
A viagem acaba nesta praia
que os assíduos e lentos fluxos atormentam.
Nada se desvela para além dos preguiçosos fumos
a marina que tecem de conchas
os benignos ventos: e é raro que se mostrem
na bonança muda
entre as ilhas do ar migrantes
os espinhaços da Córsega ou a Capraia
Tu perguntas se tudo assim se desvanece
Nesta pouca névoa de memórias;
Se na hora que entorpece ou no suspiro
do recife se cumprem todos os destinos.
Queria dizer-te que não, que se aproxima
a hora em que passarás para lá do tempo;
talvez só quem o quer seja infinito.
e isso tu poderás, quem sabe, mas eu não.
Penso que para os mais não haja salvação,
mas alguns subvertem todo o desígnio,
passam o umbral, encontram-se de novo quando querem.
Antes de renunciar queria indicar-te
este modo de fuga.
lábil como os agitados campos
do mar a espuma ou a ruga.
Dou-te também a minha avara esperança.
Para novos dias, cansado, não sei alimentá-la:
dou-a em penhor ao teu fado, p’ra que ela te salve.
O caminho acaba nesta riba
Que a maré rói com movimento alterno.
O teu coração está perto e não me liga
levanta ferro já talvez para o eterno
Via blog O Melhor Amigo
quinta-feira, 18 de julho de 2013
Dores de crescimento
Os desgostos de amor são horríveis. E, por serem horríveis, as pessoas dizem que fazem parte; que são o preço; que são um caminho; que dão força e fazem crescer. Tal é o medo de aceitar a totalidade da tragédia que são, que se chega ao ponto de ver os desgostos de amor como um rito de passagem não só para a humanidade como para o próprio amor – o que é muito mais grave. É sempre outrem que fala assim levemente, alguém que, se calhar, nunca teve um desgosto de amor digno do nome ou, se o teve, já o esqueceu e, ao esquecê-lo, provou que nunca amou, por muito desgostoso que tenha ficado. Porque também existe o desgosto de ser abandonado por alguém de quem nos habituáramos a fugir, e de já não ser amado por quem nunca amámos. Mas isso é um simples desgosto que nada tem a ver com o amor. Já um desgosto de amor é um desgosto completo: uma desilusão e uma angústia; uma frustração de quase não existir, que começa por nós próprios, num incêndio de chuva que vai por aí afora até estragar o mundo inteiro, incluindo o que mais se queria proteger: a pessoa amada. Os abutres da consolação pretendem reclassificar os desgostos e ofender o amor e, distraídos pelo prazer necrófilo de cheirar, mesmo numa pessoa amada, a morte do amor alheio – tão secreta e infinitamente invejado! -, chegam a dizer as três palavras mais estúpidas, cruéis, inúteis e indignas daquelas circunstâncias: “Foi melhor assim.” Acrescentando, às vezes, mais duas: “Deixa lá.” Como se pudéssemos responder: “Boa ideia – vou deixar!” Os desgostos de amor estragam a alma. É preciso ter muito medo deles. Respeito. Cuidadinho. Tratar o amor nas palminhas. Mesmo antes de chegar a pessoa que se vai amar. É que os corações partidos ficam partidos. Deixam de poder amar. E, em vez de amar, tornam-se músculos leves e cínicos, trocistas e elegantes. Pode até ser muito giro ser assim. Mas está para o amor como o gosto duma pedra de sal está para o mar. E às vezes ainda é mais triste: é o próprio gosto pelo amor, como quem gosta de um prazer qualquer, que mata o amor – a possibilidade de amar – logo à nascença. Será este o único desgosto, por muito caladinho que seja, tão grande como um desgosto de amor.
terça-feira, 2 de julho de 2013
Una sera d'inverno in città
Ora ha smesso di piovere. Dalla finestra il mondo è a gocce:
un viso senza naso, occhi, labbra. Solo queste minute lacrime
sugli alberi e le case. Una in particolare si rischiara
dove qualcuno piange sulla sua poltrona
composto, fermo solo incerto se la casa somigli
a quelle che abitò in passato e che confonde.
Non è di nostalgia che piange, ma per il peso intero
della pioggia, come se lui fosse il tetto
che sopporta e si scrosta.
Come se l’intero palazzo, gonfio di acqua e pietra
rivelasse un’offesa.
Una creatura può crucciarsi per questo, passare sveglia la notte
o replicare nel sogno la desolazione. Essere in un burrone.
Stare lì tra la terra, nella pioggia che viene.
in Il catalogo della gioia
[L’amore è brusco, di poche parole]
L’amore è brusco, di poche parole.
Cerimonia coperta di lana grezza.
Uno qui impara a non dire
l’essenziale.
Solo si capisce che siamo delle ombre.
All girls should have a poem
All girls should have a poem
Written for them even if
we have to turn this God-damn world
upside down to do it.
Photo
A vida responsável
Conduzir mas sem ter um acidente,
comprar massas e desodorizantes
e cortar as unhas às minhas filhas.
Madrugar outra vez e ter cuidado
em não dizer inconveniências,
esmerar-me na prosa de umas folhas
e estou-me nas tintas para elas,
retocar de vermelho cada face.
Lembrar-me da consulta ao pediatra,
responder ao correio, estender roupa,
declarar rendimentos, ler uns livros,
fazer umas chamadas telefónicas.
Bem gostaria de me dar ao luxo
de ter o tempo todo que quisesse
para fazer só coisas esquisitas,
coisas desnecessárias, prescindíveis
e, sobretudo, inúteis e patetas.
Por exemplo, amar-te com loucura.
comprar massas e desodorizantes
e cortar as unhas às minhas filhas.
Madrugar outra vez e ter cuidado
em não dizer inconveniências,
esmerar-me na prosa de umas folhas
e estou-me nas tintas para elas,
retocar de vermelho cada face.
Lembrar-me da consulta ao pediatra,
responder ao correio, estender roupa,
declarar rendimentos, ler uns livros,
fazer umas chamadas telefónicas.
Bem gostaria de me dar ao luxo
de ter o tempo todo que quisesse
para fazer só coisas esquisitas,
coisas desnecessárias, prescindíveis
e, sobretudo, inúteis e patetas.
Por exemplo, amar-te com loucura.
Cactos
Os espinhos são a minha linguagem.
Anuncio a minha existência
com um toque de sangue.
Estes espinhos já foram flores.
Odeio os amantes que se traem.
Os poetas abandonaram os desertos
e regressaram aos jardins.
Só os camelos permanecem aqui e os comerciantes
que transformam as minhas flores em pó.
Um espinho por cada rara gota de água.
Não sou uma tentação para as borboletas.
Nenhum pássaro canta em meu louvor.
Não sou responsável por nenhuma seca.
Crio outra beleza,
para além do luar,
deste lado dos sonhos,
uma afiada e penetrante
linguagem paralela.
Anuncio a minha existência
com um toque de sangue.
Estes espinhos já foram flores.
Odeio os amantes que se traem.
Os poetas abandonaram os desertos
e regressaram aos jardins.
Só os camelos permanecem aqui e os comerciantes
que transformam as minhas flores em pó.
Um espinho por cada rara gota de água.
Não sou uma tentação para as borboletas.
Nenhum pássaro canta em meu louvor.
Não sou responsável por nenhuma seca.
Crio outra beleza,
para além do luar,
deste lado dos sonhos,
uma afiada e penetrante
linguagem paralela.
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