Habitamos
uma casa quando
a sombra dos nossos gestos
fica mesmo depois
de fecharmos a porta.
sexta-feira, 6 de dezembro de 2013
Variações
Regressas sempre aos versos
A arte torpe das palavras
A fala o fingimento de verdade
A arte a canção dos mais pobres
de todos os sobreviventes
Calas quanto sabes mas escreves
Por metáforas e símbolos
as ruínas do corpo e do palato
essa hostil lâmpada
sabes que corremos como cortina
escura o sentido literal da palavra
Arda no siêncio com que
nos afastamos ou morremos
a palavra da esperança
No longo silêncio que se arrasta
nenhuma flor nos basta
A arte torpe das palavras
A fala o fingimento de verdade
A arte a canção dos mais pobres
de todos os sobreviventes
Calas quanto sabes mas escreves
Por metáforas e símbolos
as ruínas do corpo e do palato
essa hostil lâmpada
sabes que corremos como cortina
escura o sentido literal da palavra
Arda no siêncio com que
nos afastamos ou morremos
a palavra da esperança
No longo silêncio que se arrasta
nenhuma flor nos basta
quando entre a relva e a copa das árvores me esquecia de pensar
Agora vai ser assim: nunca mais te verei.
Este facto simples, que todos me dizem ser simples, trivial,
e humano, como um destino orgânico e sensato,
fica em mim como um muro imóvel, um aspecto esquecido
e altivo de todas as coisas, de todas as palavras.
Sempre nos separaram as circunstâncias, e a essência
mesma dos dias, quando entre a relva e a copa das árvores
me esquecia de pensar, e o ar passava
por mim antes de erguer os caules verdes e alimentar
a vida sem imagens da paisagem. Marcávamos férias
em meses diferentes. O fim do ano, a Páscoa, calhavam sempre
em outros dias. Tesouras surdas
rompiam o cordão dos telefones, e por engano
urgentes cartas atravessavam o planeta, apareciam
anos depois no arquivo municipal. E mais: a minha idade,
a tua, não poderiam nunca encontrar-se no mundo.
Este facto simples, que todos me dizem ser simples, trivial,
e humano, como um destino orgânico e sensato,
fica em mim como um muro imóvel, um aspecto esquecido
e altivo de todas as coisas, de todas as palavras.
Sempre nos separaram as circunstâncias, e a essência
mesma dos dias, quando entre a relva e a copa das árvores
me esquecia de pensar, e o ar passava
por mim antes de erguer os caules verdes e alimentar
a vida sem imagens da paisagem. Marcávamos férias
em meses diferentes. O fim do ano, a Páscoa, calhavam sempre
em outros dias. Tesouras surdas
rompiam o cordão dos telefones, e por engano
urgentes cartas atravessavam o planeta, apareciam
anos depois no arquivo municipal. E mais: a minha idade,
a tua, não poderiam nunca encontrar-se no mundo.
Se faz noutro futuro o nosso encontro
Pois não posso dizer sequer que te amei nunca
Senão em cada gesto e pensamento
E dentro destes vagos vãos poemas;
E já todos me ensinam em linguagem simples
Que somos mera fábula, obscuramente
Inventada na rima de um qualquer
Cantor sem voz batendo no teclado;
Desta falta de tempo, sorte, e jeito,
Se faz noutro futuro o nosso encontro.
E no teu dorso nu escrevo o verso
Fica dentro de mim, como se fosse
eterno o movimento do teu corpo,
e na carne rasgada ainda pudesse
a noite escura iluminar-te o rosto.
No teu suor é que adivinho o rastro
das palavras de amor que não disseste,
e no teu dorso nu escrevo o verso
em pura solidão acontecido.
Transformo-me nas coisas que tocaste,
crescem-me seios com que te alimente
o coração demente e mal fingido;
depois serei a forma que deixaste
gravada a lume com sabor a cio
na carícia de um gesto fugidio.
***miss. v
Mensagem aos adolescentes
Isto não o deveis tentar repetir em casa, crianças.
Crianças, experimentem fazê-lo em casa
e sabereis o que é bom sem que ninguém vos conte como é.
Recordem que não há nada que os vossos pais possam ensinar-vos.
Eles não se substituem a vós.
Recostai-vos, bebei.
Há séculos que estas coisas se passam
e ninguém conseguiu provar
que sejam muito piores que uma guerra.
Existe um paraíso no fim dessa linha de pó.
Quanto causa dano e não o reclamam,
crianças, estais a trocá-lo pela serenidade.
Já vos falaram dela? Alguém conhece a que sabe?
Se ignorais quem sois evitem o rodeio
de o averiguar unindo-se aos demais. Uma praça em grupo
é um posto no mundo;
pois agora,
crianças,
que levante a mão aquele de vós que queira morrer sendo útil e sensato.
Tendes razão: não é nada divertido.
Além do mais, sei que não sois felizes,
na melhor das hipóteses pensais que todo o mundo vos odeia. Pois é verdade,
mas há razões de sobra para isso: sois jovens e estúpidos
e não tendes direito
a todo esse futuro que ides malbaratar (como fizemos nós).
E então, estais sozinhos? É claro que sim.
Aprendei a ser livres, não eviteis a mentira;
vereis por experiência que é mais sólida que uma verdade negociada.
E acima de tudo,
crianças,
não acreditem
que a vida merece ser vivida
apenas porque desde sempre o garantem os piores cabrões.
Retirado daqui.
Amo-te nesta ideia nocturna da luz nas mãos
Amo-te nesta ideia nocturna da luz nas mãos
E quero cair em desuso
Fundir-me completamente.
Esperar o clarão da tua vinda, a estrela, o teu anjo
Os focos celestes que a candeia humana não iguala
Que os olhos da pessoa amada não fazem esquecer.
Amo tão grandemente a ideia do teu rosto que penso ver-te
Voltado para mim
Inclinado como a criança que quer voltar ao chão.
Guarda a manhã
Tudo o mais se pode tresmalhar
Porque tu és o meio da manhã
O ponto mais alto da luz
Em explosão
domingo, 24 de novembro de 2013
A mão no arado
a tristeza e
aprende a reparti-la pelos dias
Podem passar os
meses e os anos nunca lhe faltará
Oh! como é
triste envelhecer à porta
entretecer nas
mãos um coração tardio
Oh! como é
triste arriscar em humanos regressos
o equilíbrio azul
das extremas manhãs do verão
ao longo do mar
transbordante de nós
no demorado
adeus da nossa condição
É triste no
jardim a solidão do sol
vê-lo desde o
rumor e as casas da cidade
até uma vaga
promessa de rio
e a pequenina
vida que se concede às unhas
Mais triste é
termos de nascer e morrer
e haver árvores
ao fim da rua
É triste ir pela
vida como quem
regressa e
entrar humildemente por engano pela morte dentro
É triste no
outono concluir
que era o verão
a única estação
Passou o
solidário vento e não o conhecemos
e não soubemos
ir até ao fundo da verdura
como rios que
sabem onde encontrar o mar
e com que pontes
com que ruas com que gentes com que montes conviver
através de
palavras de uma água para sempre dita
Mas o mais
triste é recordar os gestos de amanhã
Triste é comprar
castanhas depois da tourada
entre o fumo e o
domingo na tarde de novembro
e ter como
futuro o asfalto e muita gente
e atrás a vida
sem nenhuma infância
revendo tudo
isto algum tempo depois
A tarde morre
pelos dias fora
É muito triste
andar por entre Deus ausente
Mas, ó poeta,
administra a tristeza sabiamente
Na morte de Marilyn
Morreu a mais
bela mulher do mundo
tão bela que não
só era assim bela
como mais que
chamar-lhe marilyn
devíamos mas era
reservar apenas para ela
o seco sóbrio
simples nome de mulher
em vez de
marilyn dizer mulher
Não havia no
fundo em todo o mundo outra mulher
mas ingeriu
demasiados barbitúricos
uma noite ao
deitar-se quando se sentiu sozinha
ou suspeitou que
tinha errado a vida
ela de quem a
vida a bem dizer não era digna
e que exibia
vida mesmo quando a suprimia
Não havia no
mundo uma mulher mais bela mas
essa mulher um
dia dispôs do direito
ao uso e ao
abuso de ser bela
e decidiu de vez
não mais o ser
nem doravante
ser sequer mulher
O último dos rostos
que mostrou era um rosto de dor
um rosto sem
regresso mais que rosto mar
e toda a
confusão e convulsão que nele possa caber
e toda a
violência e voz que num restrito rosto
possa o máximo
mar intensamente condensar
Tomou todos os
tubos que tinha e não tinha
e disse à
governanta não me acorde amanhã
estou cansada e
necessito de dormir
estou cansada e
é preciso eu descansar
Nunca ninguém
foi tão amado como ela
nunca ninguém se
viu envolto em semelhante escuridão
Era mulher era a
mulher mais bela
mas não há coisa
alguma que fazer se certo dia
a mão da solidão
é pedra em nosso peito
Perto de marilyn
havia aqueles comprimidos
seriam solução
sentiu na mão a mãe
estava tão
sozinha que pensou que a não amavam
que todos afinal
a utilizavam
que viam por
trás dela a mais comum imagem dela
a cara o corpo
de mulher que urge adjectivar
mesmo que seja
bela o adjectivo a empregar
que em vez de
ver um todo se decida dissecar
analisar partir
multiplicar em partes
Toda a mulher
que era se sentiu toda sozinha
julgou que a não
amavam todo o tempo como que parou
quis ser atá ao
fim coisa que mexe coisa viva
um segundo
bastou foi só estender a mão
e então o tempo
sim foi coisa que passou.
VAT 69
Era depois da morte herberto helder
Ia fazer três anos que morrêramos
três anos dia a dia descontados no relógio
da torre que de sombra nos cobriu a infância:
rodas no adro — gira a borboleta que se atira ao ar
o jogo do berlinde o trinta e um pedradas
nas cabeças nos ninhos nas vidraças
Foi quando verdadeiramente começou
a conspiração dos líquenes cabelos e avencas
na mina onde molhámos nossos jovens pés
e tirámos retratos pra morrer mais uma vez
Os nossos filhos — nós outra vez crianças —
comiam e gostavam das laranjas essas mesmas laranjas
que mordemos em tempos ao chegar nas férias de natal
no quintal que as máximas mãos deixaram já depois abandonado
Era a seguir à morte meu poeta
era na meninice havia festa e na sala da entrada
pensávamos na morte — nunca mais — pela primeira vez
Trincávamos cheirávamos maças no muro sobre a praia
roubávamos o balde ou íamos atrás do homem dos robertos
Era nas férias havia o mar e íamos à missa
ouvíamos a campainha e o padre voltava-se pra nós
—orate frates — ou íamos ao cemitério apesar do catitinha
Era depois da morte sobre a plana infância
o primeiro natal o cheiro do jornal
lido na adega ou na casa do forno
sentados pensativos sobre a terra húmida
Era na infância o sol caía enquanto água corria
entre os pés de feijão e os buracos de toupeiras
calcados prontamente pelas botas
soprava o vento e vinha a moinha da eira
o cão comia o bolo e morria debaixo da figueira
e teria sepultura com enterro e cruz e muitas flores
Havia casamentos o meu pai falava
e os noivos deitavam-nos confeitos das carroças
E os registos mistério tempo da prenhez
Era talvez no outono havia asma
havia a festa da azeitona havia os fritos
ao domingo havia os bêbados estendidos pelas ruas
havia tanta coisa no outono havia o cristovam pavia
Era a primavera o rio rápido subia
os barcos navegavam entre a vinha
e alastrava a sombra e a tarde adensava-se
num espesso e branco nevoeiro de algodão
noite dos candeeiros sombras nas paredes
e minha mãe pegava na espingarda ia à janela
e ouvia-se o chumbo no telhado lá ao longe
O leovigildo o marcolino o sítio do miguel
a sesta a monda das mulheres
a queda do bizarro exposto na igreja
isso e o almoço a saber mal
quando vinham da escola pra saber significados
Eram as despedidas de coelhos e galinhas antes das viagens
Eram as festas era o roubo dos melões
era a menstruação oculta da criada
Era talvez em tempos de tormenta
havia ferros entre a palha por baixo da galinha
que chocava os ovos dentro de um velho cesto
eram as nossas casa em adobe
e era o carnaval os bailes os cortejos
Íamos para a praia e eu lia camilo
ouvia o mar bater sem conseguir compreender
como podia estar ali se tinha estado noutro sítio
Era o tempo dos primeiros amores
eu via o pavão adoecia e só muito mais tarde lia
o trecho que me competia entre as amadas raparigas
A casa não ficava muito longe dos montes
não havia a cidade nem os outros
punham ainda em causa o meu reino de deus
senhor de tudo o que depois não tive
Era depois da morte ou era antes da morte?
Mas haveria a morte verdadeiramente?
Lia o paulo e virgínia chorava e perguntava
se tudo aquilo tinha acontecido
Era o meu pai era esse sonhador incorrigível
sem nunca mais saber que havia de fazer dos dias
Eram as folhas novas eram os perdigotos
saídos não há muito ainda da casca
Era era tanta coisa
Seria realmente após a morte herberto hélder
Mãe
Mãe, eu quero ir-me embora – a vida não é nada
daquilo que disseste quando os meus seios começaram
a crescer. O amor foi tão parco, a solidão tão grande,
murcharam tão depressa as rosas que me deram –
se é que me deram flores, já não tenho a certeza, mas tu
deves lembrar-te porque disseste que isso ia acontecer.
Mãe, eu quero ir-me embora – os meus sonhos estão
cheios de pedras e de terra; e, quando fecho os olhos,
só vejo uns olhos parados no meu rosto e nada mais
que a escuridão por cima. Ainda por cima, matei todos
os sonhos que tiveste para mim – tenho a casa vazia,
deitei-me com mais homens do que aqueles que amei
e o que amei de verdade nunca acordou comigo.
Mãe, eu quero ir-me embora – nenhum sorriso abre
caminho no meu rosto e os beijos azedam na minha boca.
Tu sabes que não gosto de deixar-te sozinha, mas desta vez
não chames pelo meu nome, não me peças que fique –
as lágrimas impedem-me de caminhar e eu tenho de ir-me
embora, tu sabes, a tinta com que escrevo é o sangue
de uma ferida que se foi encostando ao meu peito como
uma cama se afeiçoa a um corpo que vai vendo crescer.
Mãe, eu vou-me embora – esperei a vida inteira por quem
nunca me amou e perdi tudo, até o medo de morrer. A esta
hora as ruas estão desertas e as janelas convidam à viagem.
Para ficar, bastava-me uma voz que me chamasse, mas
essa voz, tu sabes, não é a tua – a última canção sobre
o meu corpo já foi há muito tempo e desde então os dias
foram sempre tão compridos, e o amor tão parco, e a solidão
tão grande, e as rosas que disseste um dia que chegariam
virão já amanhã, mas desta vez, tu sabes, não as verei murchar.
daquilo que disseste quando os meus seios começaram
a crescer. O amor foi tão parco, a solidão tão grande,
murcharam tão depressa as rosas que me deram –
se é que me deram flores, já não tenho a certeza, mas tu
deves lembrar-te porque disseste que isso ia acontecer.
Mãe, eu quero ir-me embora – os meus sonhos estão
cheios de pedras e de terra; e, quando fecho os olhos,
só vejo uns olhos parados no meu rosto e nada mais
que a escuridão por cima. Ainda por cima, matei todos
os sonhos que tiveste para mim – tenho a casa vazia,
deitei-me com mais homens do que aqueles que amei
e o que amei de verdade nunca acordou comigo.
Mãe, eu quero ir-me embora – nenhum sorriso abre
caminho no meu rosto e os beijos azedam na minha boca.
Tu sabes que não gosto de deixar-te sozinha, mas desta vez
não chames pelo meu nome, não me peças que fique –
as lágrimas impedem-me de caminhar e eu tenho de ir-me
embora, tu sabes, a tinta com que escrevo é o sangue
de uma ferida que se foi encostando ao meu peito como
uma cama se afeiçoa a um corpo que vai vendo crescer.
Mãe, eu vou-me embora – esperei a vida inteira por quem
nunca me amou e perdi tudo, até o medo de morrer. A esta
hora as ruas estão desertas e as janelas convidam à viagem.
Para ficar, bastava-me uma voz que me chamasse, mas
essa voz, tu sabes, não é a tua – a última canção sobre
o meu corpo já foi há muito tempo e desde então os dias
foram sempre tão compridos, e o amor tão parco, e a solidão
tão grande, e as rosas que disseste um dia que chegariam
virão já amanhã, mas desta vez, tu sabes, não as verei murchar.
domingo, 27 de outubro de 2013
Someone recommended Brooklyn
I was looking for a quiet place to die. Someone recommended Brooklyn, and so the next morning I traveled down there from Westchester to scope out the terrain. I hadn't been back in fifty-six years, and I remembered nothing. My parents had moved out of the city when I was three, but I instinctively found myself returning to the neighborhood where we had lived, crawling home like some wounded dog to the place of my birth. A local real estate agent ushered me around to six or seven brownstone flats, and by the end of the afternoon I had rented a two-bedroom garden apartment on First Street, just half a block away from Prospect Park. I had no idea who my neighbors were, and I didn't care. They all worked at nine-to-five jobs, none of them had any children, and therefore the building would be relatively silent. More than anything else, that was what I craved. A silent end to my sad and ridiculous life.
Primeiro parágrafo As loucuras de Brooklyn de Paul Auster.
Primeiro parágrafo As loucuras de Brooklyn de Paul Auster.
terça-feira, 13 de agosto de 2013
O rosto
Esta noite morrerás.
Quando a lua vier tocar-me o rosto
terás partido do meu leito
e aquele que procurar a marca dos teus passos
encontra urtigas crescendo
por sobre o teu nome.
Esta noite morrerás.
Quando a lua vier tocar-me o rosto
terás partido do meu leito
e uma gota de sangue ressequido
é a marca dos teus passos.
No coração do tempo pulsa um maquinismo ínscio
e na casa do tempo a hora é adorno.
Quando a lua vier tocar-me o rosto a tua sombra extinta marca o fim de ...um eclipse horário de uma partida iminente e o tempo apaga
a marca dos teus passos por sobre o meu nome.
Constante.
O mar é isso.
A lua vir tocar-me o rosto e encontrar urtigas crescendo por sobre o teu nome.
O mar é tu morreste.
O mar é ser noite e vir a lua tocar-me o rosto quando tu partiste e no meu leite crescem folhas sangue.
A velocidade do sangue é tu partiste.
A febre é uma pira incompreensível como a aparição da lua e a opacidade do mar.
No meu leito a lua vai tocar-me o rosto e a tua ausência é um prisma, um girassol em panóplia.
Agora a lua chega devagar e o mar é leito de tu teres partido, uma infrutescência de eu procurar a marca dos teus passos por sobre o meu rosto.
A noite é eu procurar a marca dos teus passos.
Esta noite a lua terá um halo de concêntricas florações de gotas do teu sangue
e a irisada sombra do meu leito é o teu rosto iminente.
A lua é uma seta.
Tu partiste é o silêncio em forma de lança.
Esta noite vou erguer-me do meu leito e quando a lua vier tocar-me o rosto
vou uivar como um lobo.
Vou clamar pelo teu sangue extinto.
Vou desejar a tua carne viva, os teus membros esparsos, a tua língua solta.
O teu ventre, lua.
Vou gritar e enterrar as unhas nos teus olhos até que o mar se abra e a lua
possa vir tocar-me o rosto.
Esta noite vou arrancar um cabelo e com a tua ausência faço um pêndulo para
interrogar a lua por tu teres partido e a marca dos teus passos ser a razão mágica de a lua poder surgir de noite e urtigas crescerem no meu leito.
E se encontrar a marca dos teus passos vou crivar-lhe o coração de alfinetes
para que tu partiste seja a razão mágica de tu poderes morrer-te.
Quando a lua vier em forma de lança vai trespassar um pássaro para lhe ler nas
entranhas a direcção tu partiste e a marca dos teus passos consiste nos olhos
abertos de um pássaro esventrado.
Ah, mas o luar é uma pluma do meu leito e a lua é o colo de tu morreste para
poderes enfim tocar-me o rosto.
Underwater photography — Tanty Laelly Faizah, Jibin Rock e Lamhot L Tobing.
terça-feira, 30 de julho de 2013
A Jaula
Lá fora há sol.
Não é mais que um sol
porém os homens olham-no
e depois cantam.
Eu não sei do sol.
Eu sei a melodia do anjo
e o sermão quente
do último vento.
Sei gritar até de manhã
quando a morte pousa nua
na minha sombra.
Eu choro debaixo do meu nome.
Eu agito lenços na noite e barcos sedentos de realidade
dançam comigo.
Eu oculto cravos
para escarnecer dos meus sonhos enfermos.
Lá fora há sol.
Eu visto-me de cinzas.
Não é mais que um sol
porém os homens olham-no
e depois cantam.
Eu não sei do sol.
Eu sei a melodia do anjo
e o sermão quente
do último vento.
Sei gritar até de manhã
quando a morte pousa nua
na minha sombra.
Eu choro debaixo do meu nome.
Eu agito lenços na noite e barcos sedentos de realidade
dançam comigo.
Eu oculto cravos
para escarnecer dos meus sonhos enfermos.
Lá fora há sol.
Eu visto-me de cinzas.
sexta-feira, 26 de julho de 2013
beijar-te as costas e tocar na tua pele e dizer quanto gosto do teu cabelo
E eu quero brincar às escondidas contigo e dar-te as minhas
roupas e dizer que gosto dos teus sapatos e sentar-me nos degraus enquanto tu
tomas banho e massajar o teu pescoço e beijar-te os pés e segurar na tua mão e
ir comer uma refeição e não me importar se tu comes a minha comida e
encontrar-me contigo no Rudy e falar sobre o dia e passar à máquina as tuas
cartas e carregar as tuas caixas e rir da tua paranóia e dar-te cassetes que tu
não ouves e ver filmes óptimos ver filmes horríveis e queixar-me da rádio e
tirar-te fotografias a dormir e levantar-me para te ir buscar café e brioches e
folhados e ir ao Florent beber café à meia-noite e tu a roubares-me os cigarros
e a nunca conseguir achar sequer um fósforo e falar-te sobre o programa da
televisão que vi na noite anterior e levar-te ao oftalmologista e não rir das
tuas piadas e querer-te de manhã mas deixar-te dormir um bocado e beijar-te as
costas e tocar na tua pele e dizer quanto gosto do teu cabelo dos teus olhos
dos teus lábios do teu pescoço dos teus peitos do teu rabo do teu
_______________________ e sentar-me nos degraus a fumar até o teu vizinho
chegar a casa e se sentar nos degraus a fumar até tu chegares a casa e
preocupar-me quando estás atrasada e ficar surpreendido quando chegas cedo e
dar-te girassóis e ir à tua festa e dançar até ficar todo negro e pedir
desculpa quando estou errado e ficar feliz quando me desculpas e olhar para as
tuas fotografias e desejar ter-te conhecido desde sempre e ouvir a tua voz no
meu ouvido e sentir a tua pele na minha pele e ficar assustado quando estás
zangada e um dos teus olhos vermelho e o outro azul e o teu cabelo para a
esquerda e o teu rosto para oriente e dizer-te que és lindíssima e abraçar-te
quando estás ansiosa e amparar-te quando estás magoada e querer-te quando te
cheiro e ofender-te quando te toco e choramingar quando estou ao pé de ti e
choramingar quando não estou e babar-me para o teu peito e cobrir-te à noite e
ficar frio quando me tiras o cobertor e quente quando não o fazes e derreter-me
quando sorris e desintegrar-me quando te ris e não compreender porque é que
pensas que eu te estou a deixar quando eu não te estou a deixar e pensar como é
que tu podes achar que eu alguma vez te podia deixar e pensar quem tu és mas
aceitar-te na mesma e contar-te sobre o rapaz da floresta encantada de
árvores-anjo que voou por cima do oceano porque te amava e escrever-te poemas e
pensar porque é que tu não acreditas em mim e ter um sentimento tão profundo
que para ele não existem palavras e querer comprar-te um gatinho do qual teria
ciúmes porque teria mais atenção que eu e atrasar-te na cama quando tens de ir
e chorar como um bebé quando finalmente vais e ver-me livre das baratas e
comprar-te prendas que tu não queres e levá-las de volta outra vez e pedir-te em
casamento e tu dizeres não outra vez mas eu continuar a pedir-te porque embora
tu penses que eu não estou a falar a sério eu estou mesmo a falar a sério desde
a primeira vez que te pedi e vaguear pela cidade pensando que ela está vazia
sem ti e querer aquilo que queres e achar que me estou a perder mas saber que
estou seguro contigo e contar-te o pior que há em mim e tentar dar-te o meu
melhor porque não mereces menos e responder às tuas perguntas quando deveria
não o fazer e dizer-te a verdade quando na verdade não o quero e tentar ser
honesto porque sei que preferes assim e pensar que acabou tudo mas ficar
agarrado a apenas mais dez minutos antes de me atirares para fora da tua vida e
esquecer-me de quem eu sou e tentar chegar mais perto de ti porque é maravilhoso
aprender a conhecer-te e vale bem o esforço e falar mau alemão contigo e pior
ainda em hebreu e fazer amor contigo às três da manhã e de alguma maneira de
alguma maneira de alguma maneira transmitir algum do esmagador, imortal,
irresistível, incondicional, abrangente, preenchedor, desafiante, contínuo e
infindável amor que tenho por ti.
quinta-feira, 25 de julho de 2013
Memorie bolognesi
Vecchia Bologna, t’amo! [...]
Questa è la poesia, la vita, il moto
Che la mia mente sogna...
È pieno il mio bicchier — senti? — Lo vuoto
Per te, vecchia Bologna!"
(Da 'Memorie bolognesi', Postuma, Olindo Guerrini, 1877)
Questa è la poesia, la vita, il moto
Che la mia mente sogna...
È pieno il mio bicchier — senti? — Lo vuoto
Per te, vecchia Bologna!"
(Da 'Memorie bolognesi', Postuma, Olindo Guerrini, 1877)
Foto © Elisabetta Mandrioli, 2013
"Bologna e i suoi portici" (quartiere Santo Stefano, luglio 2013)
© Elisabetta Mandrioli, 2013
sexta-feira, 19 de julho de 2013
Becherovka
Norueguesa, alta, de um moreno
duvidoso que sorria muito.
Pedia-me insistentemente para não estar
triste como deveras estava.
E pagou-me, creio, o último copo,
antes de me perguntar "o que fazia".
Escrever, sobre a morte, não é
exactamente uma profissão.
Mas foi a resposta que lhe dei,
enquanto um guardanapo qualquer
abreviava, só para ela, a minha "obra".
Nunca saberei se percebeu a letra,
se comprou os livros, se chegou
a ouvir o que em péssimo francês
lhe tentei dizer nessa noite, a mais perdida.
Os versos são quase sempre isto: um modo
inaceitável de dizer que não tocámos o corpo
que esteve, por uma vez, tão próximo
de nós – e que nem um nome breve nos deixou.
Via blog Hospedaria Camões
duvidoso que sorria muito.
Pedia-me insistentemente para não estar
triste como deveras estava.
E pagou-me, creio, o último copo,
antes de me perguntar "o que fazia".
Escrever, sobre a morte, não é
exactamente uma profissão.
Mas foi a resposta que lhe dei,
enquanto um guardanapo qualquer
abreviava, só para ela, a minha "obra".
Nunca saberei se percebeu a letra,
se comprou os livros, se chegou
a ouvir o que em péssimo francês
lhe tentei dizer nessa noite, a mais perdida.
Os versos são quase sempre isto: um modo
inaceitável de dizer que não tocámos o corpo
que esteve, por uma vez, tão próximo
de nós – e que nem um nome breve nos deixou.
Via blog Hospedaria Camões
Casa sobre o mar
A viagem acaba aqui:
nos mesquinhos cuidados que dividem
a alma que não sabe já dar um grito.
Agora os minutos são iguais e fixos
como as voltas da roda de uma bomba.
Uma volta: a subida da água que retumba.
Uma outra, nova água, por vezes um ranger.
A viagem acaba nesta praia
que os assíduos e lentos fluxos atormentam.
Nada se desvela para além dos preguiçosos fumos
a marina que tecem de conchas
os benignos ventos: e é raro que se mostrem
na bonança muda
entre as ilhas do ar migrantes
os espinhaços da Córsega ou a Capraia
Tu perguntas se tudo assim se desvanece
Nesta pouca névoa de memórias;
Se na hora que entorpece ou no suspiro
do recife se cumprem todos os destinos.
Queria dizer-te que não, que se aproxima
a hora em que passarás para lá do tempo;
talvez só quem o quer seja infinito.
e isso tu poderás, quem sabe, mas eu não.
Penso que para os mais não haja salvação,
mas alguns subvertem todo o desígnio,
passam o umbral, encontram-se de novo quando querem.
Antes de renunciar queria indicar-te
este modo de fuga.
lábil como os agitados campos
do mar a espuma ou a ruga.
Dou-te também a minha avara esperança.
Para novos dias, cansado, não sei alimentá-la:
dou-a em penhor ao teu fado, p’ra que ela te salve.
O caminho acaba nesta riba
Que a maré rói com movimento alterno.
O teu coração está perto e não me liga
levanta ferro já talvez para o eterno
Via blog O Melhor Amigo
nos mesquinhos cuidados que dividem
a alma que não sabe já dar um grito.
Agora os minutos são iguais e fixos
como as voltas da roda de uma bomba.
Uma volta: a subida da água que retumba.
Uma outra, nova água, por vezes um ranger.
A viagem acaba nesta praia
que os assíduos e lentos fluxos atormentam.
Nada se desvela para além dos preguiçosos fumos
a marina que tecem de conchas
os benignos ventos: e é raro que se mostrem
na bonança muda
entre as ilhas do ar migrantes
os espinhaços da Córsega ou a Capraia
Tu perguntas se tudo assim se desvanece
Nesta pouca névoa de memórias;
Se na hora que entorpece ou no suspiro
do recife se cumprem todos os destinos.
Queria dizer-te que não, que se aproxima
a hora em que passarás para lá do tempo;
talvez só quem o quer seja infinito.
e isso tu poderás, quem sabe, mas eu não.
Penso que para os mais não haja salvação,
mas alguns subvertem todo o desígnio,
passam o umbral, encontram-se de novo quando querem.
Antes de renunciar queria indicar-te
este modo de fuga.
lábil como os agitados campos
do mar a espuma ou a ruga.
Dou-te também a minha avara esperança.
Para novos dias, cansado, não sei alimentá-la:
dou-a em penhor ao teu fado, p’ra que ela te salve.
O caminho acaba nesta riba
Que a maré rói com movimento alterno.
O teu coração está perto e não me liga
levanta ferro já talvez para o eterno
Via blog O Melhor Amigo
quinta-feira, 18 de julho de 2013
Dores de crescimento
Os desgostos de amor são horríveis. E, por serem horríveis, as pessoas dizem que fazem parte; que são o preço; que são um caminho; que dão força e fazem crescer. Tal é o medo de aceitar a totalidade da tragédia que são, que se chega ao ponto de ver os desgostos de amor como um rito de passagem não só para a humanidade como para o próprio amor – o que é muito mais grave. É sempre outrem que fala assim levemente, alguém que, se calhar, nunca teve um desgosto de amor digno do nome ou, se o teve, já o esqueceu e, ao esquecê-lo, provou que nunca amou, por muito desgostoso que tenha ficado. Porque também existe o desgosto de ser abandonado por alguém de quem nos habituáramos a fugir, e de já não ser amado por quem nunca amámos. Mas isso é um simples desgosto que nada tem a ver com o amor. Já um desgosto de amor é um desgosto completo: uma desilusão e uma angústia; uma frustração de quase não existir, que começa por nós próprios, num incêndio de chuva que vai por aí afora até estragar o mundo inteiro, incluindo o que mais se queria proteger: a pessoa amada. Os abutres da consolação pretendem reclassificar os desgostos e ofender o amor e, distraídos pelo prazer necrófilo de cheirar, mesmo numa pessoa amada, a morte do amor alheio – tão secreta e infinitamente invejado! -, chegam a dizer as três palavras mais estúpidas, cruéis, inúteis e indignas daquelas circunstâncias: “Foi melhor assim.” Acrescentando, às vezes, mais duas: “Deixa lá.” Como se pudéssemos responder: “Boa ideia – vou deixar!” Os desgostos de amor estragam a alma. É preciso ter muito medo deles. Respeito. Cuidadinho. Tratar o amor nas palminhas. Mesmo antes de chegar a pessoa que se vai amar. É que os corações partidos ficam partidos. Deixam de poder amar. E, em vez de amar, tornam-se músculos leves e cínicos, trocistas e elegantes. Pode até ser muito giro ser assim. Mas está para o amor como o gosto duma pedra de sal está para o mar. E às vezes ainda é mais triste: é o próprio gosto pelo amor, como quem gosta de um prazer qualquer, que mata o amor – a possibilidade de amar – logo à nascença. Será este o único desgosto, por muito caladinho que seja, tão grande como um desgosto de amor.
terça-feira, 2 de julho de 2013
Una sera d'inverno in città
Ora ha smesso di piovere. Dalla finestra il mondo è a gocce:
un viso senza naso, occhi, labbra. Solo queste minute lacrime
sugli alberi e le case. Una in particolare si rischiara
dove qualcuno piange sulla sua poltrona
composto, fermo solo incerto se la casa somigli
a quelle che abitò in passato e che confonde.
Non è di nostalgia che piange, ma per il peso intero
della pioggia, come se lui fosse il tetto
che sopporta e si scrosta.
Come se l’intero palazzo, gonfio di acqua e pietra
rivelasse un’offesa.
Una creatura può crucciarsi per questo, passare sveglia la notte
o replicare nel sogno la desolazione. Essere in un burrone.
Stare lì tra la terra, nella pioggia che viene.
in Il catalogo della gioia
[L’amore è brusco, di poche parole]
L’amore è brusco, di poche parole.
Cerimonia coperta di lana grezza.
Uno qui impara a non dire
l’essenziale.
Solo si capisce che siamo delle ombre.
All girls should have a poem
All girls should have a poem
Written for them even if
we have to turn this God-damn world
upside down to do it.
Photo
A vida responsável
Conduzir mas sem ter um acidente,
comprar massas e desodorizantes
e cortar as unhas às minhas filhas.
Madrugar outra vez e ter cuidado
em não dizer inconveniências,
esmerar-me na prosa de umas folhas
e estou-me nas tintas para elas,
retocar de vermelho cada face.
Lembrar-me da consulta ao pediatra,
responder ao correio, estender roupa,
declarar rendimentos, ler uns livros,
fazer umas chamadas telefónicas.
Bem gostaria de me dar ao luxo
de ter o tempo todo que quisesse
para fazer só coisas esquisitas,
coisas desnecessárias, prescindíveis
e, sobretudo, inúteis e patetas.
Por exemplo, amar-te com loucura.
comprar massas e desodorizantes
e cortar as unhas às minhas filhas.
Madrugar outra vez e ter cuidado
em não dizer inconveniências,
esmerar-me na prosa de umas folhas
e estou-me nas tintas para elas,
retocar de vermelho cada face.
Lembrar-me da consulta ao pediatra,
responder ao correio, estender roupa,
declarar rendimentos, ler uns livros,
fazer umas chamadas telefónicas.
Bem gostaria de me dar ao luxo
de ter o tempo todo que quisesse
para fazer só coisas esquisitas,
coisas desnecessárias, prescindíveis
e, sobretudo, inúteis e patetas.
Por exemplo, amar-te com loucura.
Cactos
Os espinhos são a minha linguagem.
Anuncio a minha existência
com um toque de sangue.
Estes espinhos já foram flores.
Odeio os amantes que se traem.
Os poetas abandonaram os desertos
e regressaram aos jardins.
Só os camelos permanecem aqui e os comerciantes
que transformam as minhas flores em pó.
Um espinho por cada rara gota de água.
Não sou uma tentação para as borboletas.
Nenhum pássaro canta em meu louvor.
Não sou responsável por nenhuma seca.
Crio outra beleza,
para além do luar,
deste lado dos sonhos,
uma afiada e penetrante
linguagem paralela.
Anuncio a minha existência
com um toque de sangue.
Estes espinhos já foram flores.
Odeio os amantes que se traem.
Os poetas abandonaram os desertos
e regressaram aos jardins.
Só os camelos permanecem aqui e os comerciantes
que transformam as minhas flores em pó.
Um espinho por cada rara gota de água.
Não sou uma tentação para as borboletas.
Nenhum pássaro canta em meu louvor.
Não sou responsável por nenhuma seca.
Crio outra beleza,
para além do luar,
deste lado dos sonhos,
uma afiada e penetrante
linguagem paralela.
terça-feira, 25 de junho de 2013
Faccia
Pur di non perdere la faccia
di fronte a voi,
a quante cose ho rinunciato.
Non vi angustiate per me: stare senza ormai
mi viene naturale, non mi costa
quasi più niente.
Da tanto tempo le ho lasciate andare,
e tanto profondamente,
che se me lo chiedeste non saprei
dire bene cos’erano
e se davvero le volevo. In testa
è vuoto, il loro posto.
Neppure dei desideri
c’è più una traccia.
Solo la faccia mi resta.
Eccola: è vostra.
in Voi / Photo
Talvez eu seja sorumbático
Tu não sabes os lugares por onde andei. Tu não sabes porque que é que a voz me falha e as pernas tremem. Tu não conheces os meus desertos. Beber sete cervejas e cambalear por causa de uma conversa e de uma foto do Che. Emborcar whisky após whisky e debitar poemas de amor e sangue perante uma plateia que tanto me ama como me odeia. Tu não sabes os paraísos e os infernos que levam a uma só palavra, a uma só canção. Há um mundo entre nós. Um mundo que nos separa e divide. Mas eu estranhamente, primitivamente amo-te.
Tu desconheces os meus caminhos. Conheces parte das minhas fraquezas e dos meus silêncios. Talvez nunca seja possível encontrarmo-nos. Talvez os nossos caminhos nunca mais se cruzem. Talvez o código, a tribo, o ritmo não coincidam. Talvez a linguagem não se esteja a adequar. Talvez eu seja sorumbático. Mas eu estranhamente, primitivamente amo-te.
In Sexo, Noitadas e Rock n’ Roll
domingo, 23 de junho de 2013
Book of Longing
I don't remember
lighting this cigarette
and I don't remember
if I'm here alone
or waiting for someone.
in Book of Longing (2006)/ Livro do Desejo, ed. Quasi (2008)
Obrigado I.R. pela partilha**
Obrigado I.R. pela partilha**
sexta-feira, 14 de junho de 2013
Aniversário
Não compreenderás
para que é que voltei.
Talvez, aí deitada,
não compreendas
nada do que vive.
Voltei, apesar de tudo,
para falar-te outra vez.
(Está molhada
e limpa a colina.)
Ainda te vejo
com o rosto de sempre
e os cabelos, em seu reino
de fumo, algo encanecidos.
Não tenho olhos
para mais. Não és
talvez assim e é isso a morte.
Voltei para te falar.
Estou aqui. Não compreendes
nada. Esqueci-te
tanto e consegui
esquecer-te tão pouco.
Estou alegre: às vezes
não me recordo de ti
(também isso é a morte?).
Não sei se me compreendes,
nem sequer
se estás aqui ou deslizas
por um ar que nunca
pesou sobre a minha boca.
(A colina, apesar de tudo,
está quieta debaixo do céu
tal como dantes.)
Mas ouve-me se puderes.
Num dia como o de hoje
caiu a neve,
arrebatadora. Eu cumpro,
inutilmente, o rito. Mas não importa;
não podes compreender-me.
Tudo foi cortado.
Poema incluído em A modo de esperanza (1954).
Tradução de Osvaldo Manuel Silvestre.
quinta-feira, 13 de junho de 2013
Jardim Noturno
Amor, escuta um segredo
Tua pele é lisa, lisa
Minha palma que a analisa
Não tem medo: fica nua.
Fica de tal modo nua
Que eu, ante tanto abandono
Transforme o desejo em sono
E não seja apenas teu.
Via Sr. Teste
quarta-feira, 12 de junho de 2013
Quadrilha
João amava Teresa que amava Raimundo
que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili
que não amava ninguém.
João foi para os Estados Unidos, Teresa para o convento,
Raimundo morreu de desastre, Maria ficou para tia,
Joaquim suicidou-se e Lili casou com J. Pinto Fernandes
que não tinha entrado na história
terça-feira, 11 de junho de 2013
A Queda
Je suis tombée
amoreuse, foi o seu
primeiro encontro
com o chão
Dessa vez partiu
em cacos o coração.
Os ossos só mais tarde,
um por um,
contra a terra.
C'est fou la vie,
essa derrocada
a que apenas resistem
memória e pássaro,
em voo picado.
in Revista Grisu nº 01
segunda-feira, 10 de junho de 2013
mas tu partias sempre na véspera de eu chegar.
De que me serviu ir correr mundo,
arrastar, de cidade em cidade, um amor
que pesava mais do que mil malas; mostrar
a mil homens o teu nome escrito em mil
alfabetos e uma estampa do teu rosto
que eu julgava feliz? De que me serviu
recusar esses mil homens, e os outros mil
que fizeram de tudo para parar-me, mil
vezes me penteando as pregas do vestido
cansado de viagens, ou dizendo o seu nome
tão bonito em mil línguas que eu nunca
entenderia? Porque era apenas atrás de ti
que eu corria o mundo, era com a tua voz
nos meus ouvidos que eu arrastava o fardo
do amor de cidade em cidade, o teu nome
nos meus lábios de cidade em cidade, o teu
rosto nos meus olhos durante toda a viagem,
mas tu partias sempre na véspera de eu chegar.
arrastar, de cidade em cidade, um amor
que pesava mais do que mil malas; mostrar
a mil homens o teu nome escrito em mil
alfabetos e uma estampa do teu rosto
que eu julgava feliz? De que me serviu
recusar esses mil homens, e os outros mil
que fizeram de tudo para parar-me, mil
vezes me penteando as pregas do vestido
cansado de viagens, ou dizendo o seu nome
tão bonito em mil línguas que eu nunca
entenderia? Porque era apenas atrás de ti
que eu corria o mundo, era com a tua voz
nos meus ouvidos que eu arrastava o fardo
do amor de cidade em cidade, o teu nome
nos meus lábios de cidade em cidade, o teu
rosto nos meus olhos durante toda a viagem,
mas tu partias sempre na véspera de eu chegar.
como o corpo se ajusta à superfície
Por uma vez conta como o corpo se ajusta à superfície
das tuas palavras. Fala de um depois anterior, desse sono
demente na fissura da luz; do violento voo ou da ferida
cíclica, a ausência excedendo-se na pele quando a desoras
perfumas minhas mãos. Estende-se o calor aos lábios,
o Verão simula a duração no verso, circula a água, vigorosa,
no fundo do poço até desaparecer na cama muda.
Nada é o que parece, lembra-se o que se esquece e eu digo
os dedos descalços dissolvem em tua boca o mel à flor dos
destroços. Olha-me: deita o olhar em meu vestido, tira-o
num gesto ébrio e precipitado como a um prisioneiro,
os peixes sobem lestos no lago imoderado e a noite volta,
lenta, adormecida. Dou-te o que não tenho – a história
de um rio exultante a explodir na boca em versão romântica,
poema sem trágicos sulcos ou fala completa. E tu, tu dás-me
o que sou: metáfora doendo-se alto onde acaba o texto.
Por isso de lama e amor se faz a caminhada
Caminho com o sol e com a chuva
Caminho com a escuridão e com a estrada
Os pinheiros e os regatos as pedras e a paisagem
caminham comigo incessantemente
e levemente também eles soçobram
também eles deixam as suas pegadas
onde a poeira levanta e nunca baixa
onde, diz-se, todos os encontros se dão
E como se tocasse a todos encontrar-se
continuamos a procurar-nos como cães de caça
Por isso de lama e amor se faz a caminhada
e na estrada o vestido pesando quase nada sinaliza o corpo
como uma bandeira sinaliza a paz durante a guerra
e eu libertando-me a pouco e pouco da bagagem
libertando-me a pouco e pouco da tua miragem
vou perdida e encontrada na berma do sol.
http://patioalfacinha.blogspot.com.br/
Balada da Rua Damasceno Monteiro
morrer, principalmente de amor, é
uma compendiosa tarefa doméstica
uma compendiosa tarefa doméstica
in Balada da Rua Damasceno Monteiro
domingo, 9 de junho de 2013
her deer heart
¡Ay, qué trabajo me cuesta
quererte como te quiero!
Por tu amor me duele el aire,
el corazón
y el sombrero.
¿Quién me compraría a mí
este cintillo que tengo
y esta tristeza de hilo
blanco, para hacer pañuelos?
¡Ay, qué trabajo me cuesta
quererte como te quiero!
Poema Es Verdad
Foto her deer heart
quererte como te quiero!
Por tu amor me duele el aire,
el corazón
y el sombrero.
¿Quién me compraría a mí
este cintillo que tengo
y esta tristeza de hilo
blanco, para hacer pañuelos?
¡Ay, qué trabajo me cuesta
quererte como te quiero!
Poema Es Verdad
Foto her deer heart
everything dies
Há de vir um Natal e será o primeiro
em que se veja à mesa o meu lugar vazio
Há de vir um Natal e será o primeiro
em que hão de me lembrar de modo menos nítido
Há de vir um Natal e será o primeiro
em que só uma voz me evoque a sós consigo
Há de vir um Natal e será o primeiro
em que não viva já ninguém meu conhecido
Há de vir um Natal e será o primeiro
em que nem vivo esteja um verso deste livro
Há de vir um Natal e será o primeiro
em que terei de novo o Nada a sós comigo
Há de vir um Natal e será o primeiro
em que nem o Natal terá qualquer sentido
Há de vir um Natal e será o primeiro
em que o Nada retome a cor do Infinito
Poema Ladainha dos Póstumos Natais
em que se veja à mesa o meu lugar vazio
Há de vir um Natal e será o primeiro
em que hão de me lembrar de modo menos nítido
Há de vir um Natal e será o primeiro
em que só uma voz me evoque a sós consigo
Há de vir um Natal e será o primeiro
em que não viva já ninguém meu conhecido
Há de vir um Natal e será o primeiro
em que nem vivo esteja um verso deste livro
Há de vir um Natal e será o primeiro
em que terei de novo o Nada a sós comigo
Há de vir um Natal e será o primeiro
em que nem o Natal terá qualquer sentido
Há de vir um Natal e será o primeiro
em que o Nada retome a cor do Infinito
Poema Ladainha dos Póstumos Natais
sábado, 8 de junho de 2013
Kiss me, and you will see how important I am
But everybody has exactly the same smiling frightened face, with the look that says: ‘I’m important. If you only get to know me you will see how important I am. Look into my eyes. Kiss me, and you will see how important I am.
terça-feira, 28 de maio de 2013
em que dia nasceste?
És parecida com a Terra. Essa é a tua beleza.
Era assim que dizias.
E quando nos beijávamos e eu perdia respiração e,
entre suspiros, perguntava: em que dia nasceste?
E me respondias, voz trémula:
estou nascendo agora.
E a tua mão ascendia
por entre o vão das minhas pernas
e eu voltava a perguntar: onde nasceste?
E tu, quase sem voz, respondias:
estou nascendo em ti, meu amor.
Era assim que dizias.
TU eras um poeta
Eu era a tua poesia
terça-feira, 21 de maio de 2013
éramos só nós sem nenhum segredo
numa noite de audácia incomparável
passo a tratar-te por tu, e abraço com as pontas dos dedos
os nós das tuas mãos; no fresco calor condicionado
de um quarto onde a luz não dá para ler, recito
estrofes e mitos; beijo-te, não é? nada estava escrito,
nenhuma verdade comum aos planetas,
éramos só nós sem nenhum segredo,
vivos e completos, serenos, mortais
Obrigado*
domingo, 19 de maio de 2013
quinta-feira, 16 de maio de 2013
Requiem por Muitos Maios
Conheci tipos que viveram muito. Estão
mortos, quase todos: de suicídio, de cansaço.
de álcool, da obrigação de viver
que os consumia. Que ficou das suas vidas? Que
mulheres os lembram com a nostalgia
de um abraço? Que amigos falam ainda, por vezes,
para o lado, como se eles estivessem à sua
beira?
No entanto, invejo-os. Acompanhei-os
em noites de bares e insónia até ao fundo
da madrugada; despejei o fundo dos seus copos,
onde só os restos de vinho manchavam
o vidro; respirei o fumo dessas salas onde as suas
vozes se amontoavam como cadeiras num fim
de festa. Vi-os partir, um a um, na secura
das despedidas.
E ouvi os queixumes dessas a quem
roubaram a vida. Recolhi as suas palavras em versos
feitos de lágrimas e silêncios. Encostei-me
à palidez dos seus rostos, perguntando por eles - os
amantes luminosos da noite. O sol limpava-lhes
as olheiras; uma saudade marítima caía-lhes
dos ombros nus. Amei-as sem nada lhes dizer - nem do amor,
nem do destino desses que elas amaram.
Conheci tipos que viveram muito - os
que nunca souberam nada da própria vida.
in Teoria Geral do Sentimento
quinta-feira, 25 de abril de 2013
O que é grande acontece no eterno e o amor é assim
Querida. Veio-me hoje uma vontade enorme de te amar. E então pensei: vou-te escrever. Mas não te quero amar no tempo em que te lembro. Quero-te amar antes, muito antes. É quando o que é grande acontece. E não me digas diz lá porquê. Não sei. O que é grande acontece no eterno e o amor é assim, devias saber. Ama-se como se tem uma iluminação, deves ter ouvido. Ou se bate forte com a cabeça. Pelo menos comigo foi assim. Ou como quando se dá uma conjunção de astros no infinito, deve vir nos livros.Ou mais provavelmente esse tempo nunca pôde existir, que é quando realmente existe o que vale a pena existir.
In Em Nome da Terra
In Em Nome da Terra
sexta-feira, 5 de abril de 2013
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