Se te disserem que a amizade não tem corpo,
mentem, mentem com quantos dentes
têm na boca. Eu preciso tanto de te tocar.
Tocar-te com dedos mesmo e não só
com palavras, pôr a mão por cima
do teu ombro, mesmo correndo o risco
de me dares uma sapatada. Porque eu não sei
se esta minha amizade é correspondida.
E quando a poesia se vai tornando
mais poesia do que devia, interrompes
com uma palavra vulgar um sentido
que nunca mais se vai saber como seria.
Se te disserem que não há passagem,
que a amizade não é trampolim
para outra coisa, pede que se calem,
explica-lhes que tudo pode acontecer.
Pode acontecer eu morrer aqui hoje
e tu também, basta haver um, apenas um
que tenha feito qualquer coisa
e essa coisa logo é possível. Isto alimenta
o meu desejo de que entre nós
as coisas talvez ainda possam compor-se.
Joguemos os dados. Oiçamos os dados
antes de tombarem para os números.
Se a vida nos tivesse saído assim, num jogo
de dados, dá-me a sensação de que
era capaz de não ser lá muito diferente.
Os dedos, foram os dedos que me interessaram,
os dedos que lançavam os dados. Eram
uns dedos magros e esguios, ligeiramente
escuros, uns dedos secos, com pequenas sardas.
Os dedos pareciam não vir de um corpo,
vinham só de dentro de umas mangas, e não
havia cabeça, havia apenas um buraco.
Eu não tirava os olhos desses dedos.
Ficaste a olhar para aqueles dedos
até te babares, apetecia-te deixar cair
o cabelo sobre a testa e brincar outra vez
aos novos e aos velhos, emborcar
três copos de seguida e agarrar depois
brevemente aqueles dedos ágeis.
Poema Via donne moi ma chance
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