segunda-feira, 21 de maio de 2018
Correr para onde, se é dentro o labirinto?
‘[…] Talvez ela nem existisse
Talvez fosse mesmo o tempo que se avoluma inundando tudo, cobrindo, fechando
Logo mais teríamos notícias dos últimos acontecimentos
Os deuses exigem tanto e por isso decidi aquele mesmo dia, além de me amarrar ao mastro
Também cobriria de cera os ouvidos
As sereias e suas bocas pequenas abriam e fechavam
Ainda hoje não escuto nada e tudo é líquido e estrondoso
Todos os caminhos levam ao corpo.'”
Morreu hoje a escritora Assionara Souza, aos 49 anos.
domingo, 20 de maio de 2018
Tisana 433
Os livros estão sempre sós. Como nós. Sofrem o terrível impacto do presente. Como nós. Têm o dom de consolar, divertir, ferir, queimar. Como nós. Calam sua fúria com sua farsa. Como nós. Têm fachadas lisas ou não. Como nós. Formosas, delirantes, horrorosas. Como nós. Estão ali sendo entretanto. Como nós. No limiar do esquecimento. Como nós. Cheios de submissão ao serviço do impossível. Como nós.
Foto tirada daqui.
quinta-feira, 29 de dezembro de 2016
Reciclar
foto: Shel Silverstein, Every Thing on It
Deixei os restos do nosso amor
num saco de plástico
no armário debaixo do lava-loiça,
não cabiam no caixote do lixo.
E quando levares o lixo,
presta atenção,
não é para caixote azul, verde ou amarelo,
é para o cinzento, lixo doméstico comum,
indiferenciado, o nosso amor acabado,
e o carro passa às segundas, quartas e sextas.
#raquelserejomartins
sexta-feira, 9 de setembro de 2016
Óbito
O nosso amor morreu
em extremo mau estado,
vítima de doença prolongada,
que nenhum de nós
era a favor da eutanásia.
Podia ter sofrido menos,
padecido menos,
penado menos,
mas mudámos de opinião
demasiado tarde.
Poema Raquel Serejo Martins
Banda Sonora Nick Cave e o som do luto
sábado, 7 de maio de 2016
quinta-feira, 5 de maio de 2016
lá no cabo do mundo onde morávamos durante um momento
se eu tivesse dois ou três dentes de ouro
mordia-te o corpo todo se eu tivesse
mel e fósforo para tocá-lo
tocava-te no sexo
se eu cantasse num murmúrio quente cheio de êrros
chamava-te junto ao ouvido
se tivesse o teu nome escrito pelas unhas fora
pedia que me deixasses entrar mudo e selado
na alma e na memória
se me dissesses: beija-me onde queiras
onde quereria eu beijar-te
senão nas pálpebras e nos dedos e nos cabelos
se perguntasses: e onde vamos viver?
eu respondia: onde não sei o quê cheio de ar revôlto
mas se por exemplo eu tivesse um diamante
e o diamante desabrochasse
e esse diamante eu mesmo o pusesse
no meio do mundo
e o deixasse crescer até ser uma árvore
e se dormias debaixo dela eu despia-te
peça a peça a roupa quieta até
as minhas mãos serem tão íntimas que dormias
e acordavas nas minhas mãos
e eu tocava-te então na boca do corpo
por onde estremecias toda
e eu tocava a tua fundura que não acabava nunca
extremo a extremo a tua delicadeza extrema
e punha nela o selo
e punha o sêlo da minha boca e tu acordavas toda
e ficavas tocada toda todo o tempo
lá no cabo do mundo onde morávamos durante um momento
In Letra Aberta
Ninguém aposta no teu fracasso...Ninguém se abate se ele acontecer
Foi p'ra fazer um bom destino
Que ela inventou com que se entreter
Dança os mais altos desafios
Que toda a alma pretende ter
Experimentou o desatino
Viu o seu esforço a querer se inverter
Ainda p'ra mais tendo aprendido
Nunca é tarde p'ra perder
Semeia o sol, colhe a tempestade
Quem paga p'ra ver?
Ninguém aposta no teu fracasso
Ninguém se abate se ele acontecer
Dizem que os bons não nascem por acaso
Tens tanto a fazer
Foi p'lo sabor do seu caminho
Que ela acabou por se convencer
Que avançava mais indo mansinho
Que em passos altos a combater
Onde plantou o azevinho
Cresceu o dom de saber ver crescer
Linda a promessa do destino
Se houver vontade de a manter
Semeia o sol, colhe a tempestade
Quem paga p'ra ver?
Ninguém aposta no teu fracasso
Ninguém se abate se ele acontecer
Dizem que um dom não desce por acaso
Quem tem, tem de o ter
Tu deste o fortúnio pelo amor
Não te restou mais nada
Provaste o grande dissabor
da fria madrugada
Quando assentou o teu sorriso
não te restava nada
Apenas tudo o que é preciso:
a paz da caminhada
Semeia o sol, colhe a tempestade
Quem paga p'ra ver?
Ninguém aposta no teu fracasso
Ninguém se abate se ele acontecer
Dizem que os bons não nascem por acaso
Tens tanto a fazer
quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016
quarta-feira, 13 de janeiro de 2016
Mais Novembro do que Setembro
Tive a coragem de olhar para trás
Os cadáveres dos meus dias
Assinalam o caminho que fiz e confesso que os choro
Uns apodrecem em igrejas de Itália
Ou então em pequenos vergéis de limoeiros
Que florescem e frutificam em simultâneo e
Em todas as estações
Houve outros que choraram antes de morrer em tabernas
Onde ardentes ramos de flores rolavam
Nos olhos de uma mulata que inventava a poesia
E as rosas da electricidade ainda agora se abrem
No jardim da minha memória
in Mais Novembro do que Setembro
enquanto sofres, não te aborreces.
Olha, dou-te um desgosto de amor,
é muito interessante um desgosto;
enquanto sofres, não te aborreces.
( via blog "Primeiramente)
foto Julia Borodina
segunda-feira, 28 de dezembro de 2015
Cansada de mim
Foi domingo e não descansei.
Foi domingo e não dancei.
Foi domingo e não amei.
Louvei deus nenhum.
Mortal comum,
cruzei dois dedos
e fingi acreditar.
Passou a manhã,
passou a tarde,
anoiteceu.
Os segundos como grainhas
de romãs, difíceis de descascar.
De chinelos e pijama de flanela
jantei com o gato
e flores na mesa,
dálias amarelas
a envelhecer devagarinho.
E o dia esteve bonito,
apesar do frio,
é dezembro, que se lhe há-de fazer.
inédito, Dezembro|2015
Foto: Imogen Cunningham, Three Dancers, Mills College, 1929
Vala comum
Os corpos arrumados como arenques numa lata,
de viés, uma cabeça dois pés, uma cabeça dois pés.
Os corpos quase intactos
preservados não em azeite, nem em óleo de girassol,
mas por um Inverno frio e pouco chuvoso.
Até as roupas estavam em bom estado.
As lãs e as fazendas são para lavar à mão e a frio.
E estavam todos lá, pais, avós, filhos, tios, primos, sobrinhos
e dois vizinhos que eram como família.
inédito, Dezembro|2015
Foto: Rémi Noel
segunda-feira, 7 de dezembro de 2015
En el amanecer te desvaneces
En el amanecer te desvaneces.
Sólo queda tu sombra entre mis manos,
una presencia de aire, anhelo y sueño y risa
que disipa su incendio consumido.
Con desesperación busco tu cuerpo,
el fugaz testimonio, ese deleite
de toda tu fragancia derramada,
cautiva todavía por mi piel.
Relumbras por mis médulas como un latido unánime,
como una ciega música que habitara en mi oído,
con su calor, su vibración de fondo,
su presencia invisible en el silencio.
Cruzo de la pasión a la demencia
persiguiendo tu espectro, el espejismo
de una imagen que asciende por la escala nocturna,
llevándote desnuda entre sus brazos.
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